2.10.13

Uma longa fila de cruzes



Flávio não joga boliche.
Fichas no caixa.
Flávio serve mesas. Pede vales.
Briga com fregueses.
Mora na Pensão Estrêla.
Com acompanhamento e arranjos de Beth.
Tira fotos 3x4  no Almeida.
Põe a mão no rosto que dói.
No final do expediente recebe o bilhete azul.
Um trem vai e outro vem na estação.
Flávio entra em silêncio.
Fecha a porta.
Um café e um pedaço de pão olham pro lado.
Flávio olha pra baixo.
Come.
Escova os dentes no tanque.
Na cozinha vê O Pai Come e se Lambuza.
É de graxa.
A mãe quentinha.
Os trens vão e vêm.
Ele preenche o formulário.
Primeiro grau incompleto.
A mão suada na esferográfica.
Ele busca nas paredes.
Paredes não têm respostas.
Flávio desenha as letras.
Olha pro lado. Ninguém está colando.
Flávio não tem dinheiro para ver
Uma Longa Fila de Cruzes.
Mastiga um sanduíche de salame no Passeio Público.
Dorme no banco.
Flávio não conhece aquela gente
dentro das enciclopédias.
Caminha até  o aeroporto. Pega sol.
Olha o mar de paletó.
Flávio sempre olha o mar de paletó.
E a cidade do alto de Santa Teresa.
Os bondes nos trilhos certos.
Ele queima um bagulho.
Toma Praianinha no gargalo.
Não vai voltar pra Madureira.
Não vai passear em Niterói.
Vai passar a noite na Lapa.
Tomar batida de coco.
Quanto mais perto do Cristo, maior ele fica.
Flávio pega carona nas lágrimas.
Fica no banco traseiro.
Quebra o prato do pai.
Uma Longa Fila de Cruzes não conta
a história de sua vida.
Ele se abaixa e junta os cacos.
Era um filme sem importância.