Talvez eu devesse voltar a
beber. Não existe um caminho melhor para chegar a mim com vida. Faço esse
apontamento no último dia do ano aqui fora onde há verde, seco, quente. A
gigantesca pedra riscada, uma montanha apontada para o alto, é onde toda trilha
acaba. Vou andando e vou escrevendo, as letras saem tortas e xingo a claridade
da manhã sobre o papel fazendo do que digo pontinhos brancos de quem fecha os
olhos para o sol. A montanha é um presunto pendurado no horizonte. Me dá
vertigem escrever em movimento. Os fogos de artifício disparam desde o começo
do mês e hoje cedo. Estes fogos não têm sentido. Sua combustão, explosão, fulguração
e espanto traem uma ansiedade por um futuro às pressas que ninguém sabe ou prevê.
A bucha de uma ilusão. Um obus contra a cavalaria pesada de destinos já traçados. Contra o Deus recém-nascido, igualmente celebrado. Menos doloroso é imaginar a cidade bombardeada em uma
guerra real que ninguém começou. Isto me deixa em paz. Talvez eu estivesse então bebendo
num abrigo antiaéreo, abraçando meus irmãos, preparando uma reação, em vez de
parada no caminho, a tranca do silêncio na boca, esperando a girândola de 234
tiros acabar o seu espetáculo de felicidade fictícia e programada acima da copa das árvores. Meu cachorro persegue um
filhote de muçurana, morde e o divide em dois. O corpo sem vida fica se sacudindo
e anoto estes apontamentos porque o mundo espera que tudo será melhor no ano
que vem. O ano que vem é apenas amanhã. Olho outra a vez a montanha, uma
caçamba de pedras que o tempo colou ano após ano até ficar na altura desejada. Acima
de todos. O bar fica logo ali adiante. No bar vendem fogos. É com um êxtase
vertiginoso e febril que compro todos os foguetes de cores disponíveis. Um
velho fungando me serve a bebida que pedi. Brinda sozinho o ano novo. O calor
mantém meu corpo inchado, molhado. Volto pra casa subindo o caminho de pedras
soltas ainda sem futuro definido. Podem se esfarelar ou virar uma montanha. Meus pés doem como se caminhasse de joelhos. Tudo é feliz ano novo. Todos são feliz ano novo – e uma funda lata de cinzas.