27.12.13

Pierre ontem à noite



Não falou muito. É sempre assim. Não falamos muito.
Como animais de companhia um do outro. 
Ceamos.
Ouvindo a pressão de braços sobre a mesa.
Da mesa nas tábuas do assoalho.
Do bordeaux mareando nas taças.
Pensamentos batendo nas vidraças, costeando intenções.
Uma perna de carneiro bem assada. 
Folhas mortas perdendo altura. 
Há um grande carvalho no bosque. 
Lobos.
E um cofre no gabinete. 
Moramos aqui há muito tempo,
desde que nos casamos na Saint-Roch. 
Não, senhor, não sei dizer se Pierre tinha inimigos. Ou amigos.
O alfarrabista talvez. Sr. Lioret, ou outro. 
Pierre não fala muito.
Mesmo quando escreve. Cartas comerciais, suponho. 
Dormia tarde, absorvido pela leitura. 
Pelo cachimbo.
Não saberia dizer a que horas nos recolhemos.
Eu sempre me retiro antes. 
Não, nenhum ruído estranho.
Eu tenho o sono leve. 
Ninguém poderia entrar nesta casa sem que eu ouvisse. 
As janelas são altas. Gradeadas.
Uma cozinheira, a lavadeira, dois criados de quarto, um cocheiro.
Pierre me mandou dispensar a todos no mês passado.
Não sei o motivo. 
Pierre não fala muito.
E uma boa esposa não deve fazer perguntas.
Deve saber ouvir o marido sem precisar que ele fale.
Só quero enterrá-lo condignamente, ele me disse ontem à noite.