Querido Max
Eu sei que
você deve estar vendendo cerveja na praia e que por isso não tem tempo de
aparecer aqui para nos ver. A cidade está cheia de turistas e é uma boa
oportunidade para tirar um dinheirinho extra. Eu sei. Não precisa me explicar.
Quem não precisa de dinheiro neste vale das balsameiras? Lembra quando a mãe
nos falava isso, Max? Que só o comércio nos salvaria. Que escolas fazem gente
inteligente para um desemprego nobre. Escolas são para gente de mãos finas e
delicadas, não para nós. Eu sei que você está vendendo cerveja na praia. Leva
salgadinhos também? A praia é tão longe de tudo e aquela gente rica fica com
fome cedo, mesmo de barriga cheia. Alguém lhe ajuda nisso? Pode me dizer. Não
se envergonhe. Não devemos nos envergonhar do trabalho honesto. Max tem
vergonha de me dizer que vende cerveja na praia. Que precisa andar quilômetros
para chegar até lá. Uma praia em que costumávamos nadar, pescar e catar siris
para comer mais tarde. Hoje aquelas águas estão sujas. Não há mais siris. Não
sei por que ele tem vergonha de ser um ambulante. Um ambulante que não se
desvia do seu caminho para me visitar. Não vem vender na minha porta. Hoje está
chovendo e Max não deve estar na praia. Fico pensando onde Max está numa hora
dessas com essa chuva. Em casa. Sozinho. Ruminando. A mãe se preocupava muito
com você, Max. Com sua felicidade, os seus vícios, a sua falta de uma religião,
de uma luz para colocar no candeeiro. Eu também fico em casa vendo aquele filme na
TV. Mas eu tenho Deus dentro de mim. Leo trabalha o dia inteiro naquela maldita
serraria e até que precisa de uma ajudinha sua. Não tem ninguém lá com ele
agora. Max sempre detestou a serraria do meu marido. Acho que detesta mesmo é o
Leo. A serraria é uma desculpa. Max tem ciúme de Leo. Do meu casamento. De mim.
Éramos muito apegados até Leo aparecer. Um dia, numa volta da praia, Max me
beijou na boca. Os siris se debatendo na cesta. Eu senti pela primeira vez uma
alegria coberta de vergonha entardecida e voltamos correndo pra casa. A mãe
rezando pra Fátima. Max não deve se lembrar disso. Eu me lembro sempre que vejo
beijos nos filmes. Quando Leo me beija na cama não é a mesma coisa. Beijo de
marido. Não é igual. Não sei explicar. Assinamos um papel para nos beijar. Um
contrato. E você espera receber ou entregar o que está no contrato. O beijo é o
carimbo. Não é assim? Max, você é um autônomo, como dizem. Pode vender o que
quiser e onde quiser. Não precisa se envergonhar. Você é livre. E a liberdade,
neste mundo curto da gente, é uma tocha acesa sobre a cabeça dos justos. Vou
fazer o jantar agora e gostaria que você aparecesse. Num barco. Eu queria um
barco. Max não sabe disso. Eu sempre quis um barco. E ser feliz. Para Max ser
feliz é vender cerveja na praia da Beira. Para Leo, cortar madeira. Feri-la em
portas e janelas. Mesas para pobres. Mesas para ricos. Para a Santa Ceia. Você
vai aparecer no Natal, Max? Leo não quer fazer um barco pra mim. Diz que não
tem tempo. Que com barco é diferente. Ele não sabe cortar madeira em barco. Não
sabe pescar. Pegar siri. Não sabe o que é praia. Não sabe o que é um barco desaparecendo aos pedacinhos no mar lá longe.
Não diga nunca que não vai me ver mais, Max.