18.12.14

"Fale aí uma frase de Nietzsche" - título provisório - roteiro inacabado


The individual has always had to struggle to keep from being overwhelmed by the tribe. 
If you try it, you will be lonely often, and sometimes frightened. But no price is too high to pay for the privilege of owning yourself. 
- Nietzsche



Uma caveira é uma cacofonia de ossos e pensamentos civilizatórios. A caveira que desce o Pelourinho conversa comigo com voz de película:

-- Estou com uma vontade horrível de fazer xixi.
-- Moi aussi.
-- Estou com uma vontade horrível de fazer filme de terror.
-- Moi cocô.

Grave o áudio separado, bote uns galos cantando, uma perereca gugudadaísta recitando o vocabulário técnico e crítico da filosofia. Tem uma Copacabana na Bahia, porra. Gá-gá-gá. Abaixo a lei do inquilinato e a mão única na Voluntários da Pátria. Sons de friture, de telefone, de passarinho piando, de cachorro suspirando. Nós vamos conhecer outro mambo na velocidade da fuga. Cinema de terror experimental marginal. 

Meu nome é Óbvio. À noite eu nunca penso o que vou escrever. Só puxo a caneta e digo, oi. Eu queria ter um filho chamado Felicidade. O Felicidade é um pico de adrenalina malhada na veia do cordão umbilical. É, é isso mesmo. 

Eu queria fazer um filme com Continental sem filtro. 

-- Tem um bebê chorando no cinema brasileiro.
-- Liga a televisão.

Assim não dá pra dormir. Meu anjo da guarda é o seu babador. Um príncipe voador inglês de babador. Eu espero um emprego. Eu espero uma sobremesa no deserto. Tudo certo. 

Fale aí uma frase de Nietzsche segurando um Continental sem filtro debaixo de um pé de buceteiro carregadinho de flor. Mostre o ticket pra Ajuda. Entre na Kombi com um maço de versos e uma camisa azul. Cabelo repartido no meio. Chutando metáforas de pedras portuguesas. Dê um trago profundo agora. Olhe pra câmera. Finja que ela é um embrulho. Olhe pro chão agora e vai subindo devagar, quebrando em pedacinhos. Assim, tá legal. Agora vire e corra pra rua. Na direção do lixão. Depressa. Eu vou indo atrás. Isso, vai vai. Vocês aí, desocupem esse banheiro, porra. Que os bêbados calem a boca. Me tragam as rimas de amor. Quem escreveu essa merda? Eu pedi poemas de cama, não poemas de quem está de cama. Foda-se. Vai sair assim mesmo. Essa elefantíase poética. Corra, minha filha. Estou gravando. Velho, tire esse bigodão de Zapata. Isso aqui não é Que Viva México, é cinema capitalista, marginal mas capitalista. Deu pra entender? Foda-se. Tehuantepec, era só o que me faltava. E não quero ninguém de buceta raspada. Um corpo sem pentelhos é manequim de vitrine. 

Pense em mim, não precisa mais nada. Eu te dou uma varanda de frente pro Rio-Sul com papéis molhados de suor sobre a mesa de jantar. É aqui que eu moro. No ponto mais alto desse chão riscado de pneus que um coração-reboque atropela. Abaixo a ditadura e Viva Antonioni montado num jegue. Não, nada de ditadura. Nem psicoblablablá. Que jegue o quê. Corte isso. Tu tá pobre, é? Cadê o vampiro? Dando as cartas no vento de Trancoso. Ponha som de vento entre cercas concertinas. Quero o som do aço. Quero estrangular a água. Chame a moça da limpeza. Nós vamos precisar importar os grilos do Qatar? Você aí, ande logo. Preciso da mão do macaco ainda hoje pra cena no Farol.

Meu nome é Óbvio. Gosto de poesia mas não entendo nada. Não estou aqui pra isso. Não tenho nada a ver com isso. Gosto de um pouco de tudo e não tenho a ver com nada. Puxa esse cabo aí. Godard. O Penetralium indevassável de Keats. Penetralium é buceta, é? Pornô japonês. Eu preferia estar fazendo pornô japonês, caralho. Plantando mamões na neve. Um curso de rumba. Não, não é uma Kombi. É uma viagem. É a viagem o significante. O que a gente é. Uma poça de sangue coagulado quebrado em pedacinhos. Não dá pra confiar em ator ioiô da casa da mãe. Vamos refazer a cena toda. Puta merda. Por hoje chega. Um dia vou de stand up paddle até 2082 e fico por lá. Comendo mentirinha sob céus estrelados da madrugada. É a queda de Ícaro, filho, a queda de Ícaro.

-- Aí, Tita, onde eu botá fica. Aqui só fica quem vai dormi. Eu e a Bilí.