9.12.14

Mateus




Eu queria viver como Marguerite Gautier e morrer como Anna Karenina. Eu tinha só 13 anos e ele 19. Viver entre lenços ensanguentados um amor proibido, uma amizade muito particular, não publicada, porque todo amor vivido às claras é igual. Saber que as rodas de ferro que haveriam de me matar já estavam prontas, azeitadas e rolando de uma cidade a outra. Talvez eu tenha levado os romances trágicos muito a sério. O sangue derramado. Talvez porque meu nome seja Mateus. Quando eu amo, entro no meu quarto e fecho a porta. Amo em segredo, num lugar oculto. Eu e ele. Não nos amávamos de pé nas sinagogas, no pátio do colégio, ou nas esquinas das ruas para que todos vissem. Em público era um olhar rápido. Uma troca de sorrisos respeitosos entre desconhecidos. O perfume do corpo bastava quando ele passava por mim. Suas camisas com cheiro das manhãs. Suas mãos estendendo uma esmola, virando uma página, acendendo o cigarro. Os lábios tristes tocando o copo de vinho para não gritar ou ranger os dentes. No escuro, após o gozo, decidíamos o destino das nações posicionando exércitos num mapa invisível sem sairmos do nosso terreno baldio. Os generais do terreno baldio. Entre nós o amor não era vivo, dormia. Numa cidade de ouro e prata. E só nós dois sabíamos, não as pessoas da casa, nem os campos de trigo, céus ou árvores. Desertos que vão e vêm. O amor proibido é uma espécie de doutrina surdo-muda. Uma menina sozinha deitada na cama que das migalhas faz sete pães. Eu poderia lhe dizer muito mais, meu filho, embora eu mesmo não saiba bem o quê. Ser pai ou mãe de família é uma notícia que se espalha e contamos uns aos outros sem entender bem o que significa. Quando acabamos de ler um romance, não sabemos o que vem depois. Não saberíamos escrever este depois. O ponto final é o cansaço do autor. E não espero o seu ponto final à minha história. Não espero o seu perdão. O seu amor às claras. O meu peso na sua balança. Um filho é como olhar para o interior de uma casa pela janela. Como um barco à deriva no meio do lago. Você acha que vai resgatá-lo, mergulha, mas vê que a água é feita de tinta. Funda. O barco, uma imagem. O lago, a moldura. Você está preso até à garganta. A deriva foi mera ilusão de ótica. Você não precisa mais se preocupar com o seu pai. Para onde estou remando os meus ossos. O meu repouso de chumbo. Leia esta carta e depois disso me ame como puder. Como quem escuta atrás das portas. Um amor que sei não será mais vivo como antes, nem morto. Adormecido. É o que me basta.