18.6.15

Feliz Aniversário






Mãe
Antes de tudo feliz aniversário
Acordei agora há pouco 5:40 de repente com o cachorro pedindo pra sair. Eu estava sonhando em algum lugar e tive de me levantar bruscamente. Veio-me uma Vertigem. Como se o cérebro entrasse em órbita do quarto parado. Andei fora do reto até a porta me apoiando em coisas que servem para apoiar. Parecia chilique de cinema, só não levei a mão à testa. O que é isso mãe? Agora, passados 40 minutos melhorou mas não posso deitar a cabeça no travesseiro -- jogar essa cabeça para trás que a Vertigem volta -- o cérebro acelera seu giro, em torno do que essa porra gira? É um aviso prévio? Vou descer na próxima estação? AVC, tumor da Nara? Reles labirintite? Efeito de remédios? Então descobri que não sei a quem apelar. A que deus. A que orixá se o meu pai não gosta de demandas de doença. Quero dormir, não dormirei nunca mais? Terei de ficar com essa cabeça em pé para sempre, feito soldado de reis e rainhas? Aí descobri que na falta de deuses, tem você, minha correspondente invisível, lembrei que hoje é 18 de junho e lembrei de você. Não que eu esqueça. Viu só como uma lembrança puxa a outra feito um comboio no Oregon? A Central do Brasil. O Hospital Central do Brasil. Escrevo esperando que isso passe, apelando pra você, prum deus ou deusa da Poesia porque escrevo uns versos desde novinha daí achei que a poesia podia me salvar agora que viro a cabeça para trás e a Vertigem volta, não me deixa dormir não importa pra que lado. Tomei frontal pra me acalmar. O dia amanhece pleno. Ontem chegou aqui uma biografia da Clarice, pena que não escrita por ela, faço ideia de Clarice se biografando. Será que vou andar torto outra vez se me levantar agora. Esqueci de trazer Clarice para o quarto ontem para dar uma olhada. Ela faria companhia ao Poesia Completa de Lúcio na cabeceira. Não é engraçado os dois juntinhos outra vez nesta vida que eu levo que não é a deles. Eu não devia dormir ao lado de gente tão complicada. Vou morrer pela cabeça, mãe? Pergunte aí. Sempre temi pela cabeça. Bom, pelo tronco e membros também. Falta algo? Ter um corpo e não conhecer seus limites, não limites físicos mas geográficos, o lugar que ele ocupa, ele é maior do que eu suponho, tem extensões, parece não acabar, ocupa o quarto todo, a casa, invade o espaço como fogo que se propaga e vai subindo, rastejando pros lados queimando, tudo está seco. Já estou bobageando mãe. Fumar dá, Vertigem não liga. 6:50. Um leigo vai dizer É assim mesmo, levantar na pressa dá tonteira. Mas não desse jeito nunca foi pra mim antes. O cérebro solto. Quer se soltar de mim, correr a maratona. Acaso pensa que vai pra onde? E sem mim, sem seu resto. Ele não vai servir de nada sem meu resto de corpo. Que burro. O cérebro quer ser o dono da minha cabeça, de mim, mas esse privilégio é meu. Fica paradinho quieto aí e me deixa dormir. Não é hora pra brincar de roda. Mãe, quero dormir. O que vai ter no seu aniversário? Como você está? Você que dorme à vontade. Eu só queria, me dá seu travesseiro, mãe. É pedir muito? Envelhecer, a grandona das grandes bostas. Menopausa é uma merda. Menstruar é uma merda. Period Proud é o caralho. Se bem que me sinto forte como sempre. Veríssimo disse que sou um tourinho, acho que não quis me comparar a uma vaca premiada. É, mas seu tourinho não consegue deitar a cabeça. Minha vaca poderia? Onde está essa vaca dentro de mim? O galo canta. Sempre falo isso, mas é que tem um galo novo no vizinho, o galo é um bardo incansável, diz uns versos sem tradução e canta tanto que o dia precisaria de mais horas. Mãe, quero deitar a cabeça. Vou tentar de ladinho. Os passarinhos cantam, não usam travesseiro. Vou tentar agora. Beijo. Os carros descem a serra lá longe. Vou imitar o som pra você. Vruuum. Será vodu dos bombons que me deram? Será vodu neste casaco vermelho que visto? Alguém me disse que me odeiam. Alguém me disse que me amam. Lúcio podia me ajudar. Está tão pertinho. Não precisa nem telefonar. Ele vai me instalar numa pensão. Vou falar com ele. Lúcio? Poesia Completa é poesia completada? 

P.S. Eu não sou sábia, mãe -- eu tenho medo. Sou a mesma criança que você deixou aqui na terra. Falta muito ainda pra ser uma índia velha cheia de astúcias e cocções. E viagens no tempo. Vou pedir Vertigem em casamento. Se eu não voltar é porque ela disse Sim.