3.7.15

tenho ganas de rir ou matar-me







Tenho ganas de rir ou matar-me

[sempre tem um infeliz que já definiu 
antes de você o que você pensa e é 
e não escreveu sobre]

Pois ouça, o impulso de rir me é incontrolável
Não um risinho à meia-boca
bestalhão como o dos colegiais
que só sabem rir em grupo
mas um riso solitário automático
alto cheio carregado
gargalhar de deboche
até o peito abrir-se ao meio
e você respirar melhor

Rir escondido

rir na cara
com precisão
logo depois da expiração
entrar gargalhando na cabine eleitoral
no vagão lotado do metrô
num casamento
na aula de anatomia
no clube de tiro
rir onde não há ninguém rindo
gargalhar quando os homens do hospício
vêm me apanhar por hilaridade galopante
que ninguém tolera gargalhadas o tempo todo
acham que você está rindo deles
[e você nem vê ninguém]
que é idiota um débil mental
um alvo de papelão

Eu ando rindo tanto e tanto

de pé ajoelhada sentada e deitada
se algo dá certo dá errado
se o pagamento atrasa
se o ovo cai podre na frigideira
se me chamam de filhadaputa
se for de puta então aí é que me desprego
nada me tira do riso
quem sabe um soco na boca
me arranque uns dentes
e vou rir ainda mais
escancarando minha banguela
bate mais filhadaputa
e rio rio
o sangue pingando
e eu limpando e rindo
não digo uma palavra
sorrio rio e gargalho
a mão na trava de segurança
também não penso em nada quando rio,
ao contrário do que você imagina
do nada não sai nada
escrevo agora rindo da sua cara
nem lhe conheço
não sei seu nome
mas, deus, que vontade de rir
já perdi meus amigos todos,
os virtuais não porque não podem
ouvir minhas gargalhadas por email
minha mulher pensa em me abandonar
acha que enlouqueci de vez
chamou um psi em domicílio
o pobre quebrou a agulha da injeção
nas minhas carnes eufóricas
Uma risada não me leva muito longe, eu sei
preciso achar um epigrama para o meu caso
uma mira telescópica
só é chato pra sair de casa sem ser ouvida
nem queira saber pra comer e fornicar
é pior que amante piegas
tem gente que coleciona papéis de bala
tem aqueles sedentos de paradoxos inúteis
eu viro e reviro os meus excessos
este espírito ocioso que se deixa enganar por uma lombada
Shelley: achei que fosse o poeta
mas era a autobiografia tediosa de Shelley Winters --
vieni qui, facciamo l'amore
gargalhadas e lágrimas
não podem dar certo
entre o precipício e os blues do Djavan --
vou comprar uma calcinha de ylang ylang
pra quando eu mexer a bunda na tua festa
o teu salão ficá tudinho cheroso

olha a minha cara aqui na carteira de identidade

meus diplomas na pastinha
minhas roupas no cabidinho
aquele sonho de morar no Marrocos
de dormir com aquela
com aqueloutra
de rapar o cabelo
de arrancar os peitos
ou de aumentá-los até chegarem 
5 minutos na minha frente
e engatilharem o cano duplo