19.11.15

Banco de espera da Psiquiatria







Quando topamos com alguém no banco de espera da Psiquiatria, não dá para saber o que aquele indivíduo lê, e se chega a ler. Em Berlim 1940 só eram permitidos banhos aos sábados e domingos. Neste século não está muito diferente, por motivos climáticos que entendo pouco. Vejo que Toy chegou cedo. Toy gosta de ler relatos e diários de guerra. Biografias de senhores das duas guerras mundiais. Toy não é o seu nome verdadeiro, que desconheço. É o nome do cachorro que passeia entre um banco e outro da Psiquiatria. Fico encarando Churchill de páginas abertas nas mãos de Toy, como se suas mãos fossem uma relíquia hipnótica de Dardanelos que eu perdi. Imagino se Toy diverte o psiquiatra com anedotas de campanha, ou se abre a lista de baixas que tem na memória. Olho as revistas ilustradas. Normalmente não gosto de livros de mais de trezentas páginas. Não tenho tempo. Preciso de trens expressos de alta velocidade. Acumular milhas de história é bagagem incômoda. E além do mais são pesados. Abrem o meu pulso. Mas hoje Toy está de banho tomado. Terei de esperar a sua consulta e só depois será a minha vez. Pedirei um café à antipática cordial da padaria ao lado enquanto espero essa vez. Abrirei o meu bloco de anotações e verei qual tema da minha vida devo abordar hoje. Isso se o psiquiatra não começar a falar da própria vida metade da consulta, o que anoto assim que saio para comparar com a minha até que o perigo passe. Elza se ofereceu para vir me buscar, não vale a pena. Posso me confundir. Elza é muito bonita, e sabe contar minúcias das mortes como numa rodada de fotografias. Identificar corpos. Embalsamar. O cheiro da sua água-de-colônia pode me realocar. Preciso ficar só depois das sessões. Ver se ainda estou viva. Se o prédio não desabou arrastando o meu mínimo necessário. Telefonar para mim mesma e me tranquilizar. Enquanto isso, Toy já estará em casa, são e salvo. Quem sabe lendo mais um capítulo de Churchill antes de capotar no seu colchão seco. Aprendendo russo on-line. Fritando batatas. Inventando pretextos para cada circunstância. Ou tomará outro banho depois de conspirar pelo telefone. Toy fecha o livro e cruza os braços. Está impaciente com a demora. Já não se concentra na leitura, como eu me concentro nele. Tão amigos antes da guerra.