30.11.15

Os desconhecidos alegres





Ela não oive de lá
que eu oiço daqui. 
Vão almoçar no quintal 
o bando de amigos com seu casal. 
Uma rua de mesa de jardim. 
Gente assim não senta na grama. 
Não chora além da porta. 
Os desconhecidos alegres. 
Um garrafão de Violet tinto. 
Dois velhotes expansivos trocam charadas intelectuais. 
Os jovens, de reticências -- voltaram da Grécia de espírito aberto. 
Mexo a panela, oiço mais um pouco. 
Alguém vai escrever uma biografia d'outro, por comicidade. 
A varanda olha suas portas amarelas.  
Falam de um monge que atropelou uma cobra, 
há uma encenação de significados. 
Falam de telas e cavaletes. 
Uma conversa cacete. 
Outro casal pulinhos atrasado. 
"A vida simples no campo." 
Um telheiro de filósofos. 
Oiço um bebê chorando -- ou torta no forno. 
Essa poeta premiada sua amiga usa muitos "ques". 
Vontade de cair no meio das flores -- dois copos batem. 
No campo sinto que não estou sendo cooptado. 
Nada disso ela oive, só eu. 
O motor do helicóptero passa e evapora. 
Toca o telefone da sala. Corro. Não é o meu. 
O mundo tem telefone na sala. 
Volto. 
Um intervalo sem vozes. 
Seis toques uma mulher atende. 
No quintal, seus amigos riem pelas costas. 
Ela fala alto no telefone. 
Uma voz tão melodiosa 
quase deixo me queimar. 
Minha poesia tem só treze anos, Paulo. 
Eu queria poder ver os gestos que ela faz. 
Fico com essas palavras batendo no sino da capela. 
Na sirene da polícia. 
No trem entrando na gare. 
A ligação termina. 
Temos de almoçar. 
Ainda esperam o fígado do cordeiro. 
O nevoeiro entra pelas janelas: ela não virá, mais uma vez.