14.1.16

E havia as tardes






Todos os pais dos meus amigos têm sido uma biblioteca em tudo.
Meu pai não lia um livro. Mas jornais.
Se era dia de pegar o trem suburbano,
não havia centro da cidade.
Num desses dias no subúrbio
ele para, entra no cartório e
registra o nascimento da filha
aos 7 anos naquela mesma cidade.
Me pergunto se sou eu, nascida
7 vezes antes mais ao sul daquele país.

E havia as tardes.

E a pesca dos peixes da tarde.
O mar já calmo, cansado.
Deitando suas águas no horizonte
e olhando para o teto até cair no sono.
Numa dessas distrações, roubavam-lhe os peixes.
Era meu pai com sua vara de bambus acopláveis.
Sem molinete. 
Vara e linha empinadas seccionando a paisagem,
isolando-nos do resto. Eu e ele dentro do triângulo.
Não lembro dos peixes.
Lembro das iscas moles perdidas no fundo.
Lembro do lixo que o mar devolveu ao anzol do meu pai.

À noite voltávamos para casa sem dizer uma palavra.

O retorno é um ângulo reto escuro e pavimentado.
Me oriento pelos hidrantes vermelhos, os marcos da infância.
Sempre há um degrau a mais.
No elevador as iscas se mexem.
Aperto 6.
As grades abrem os braços e correm pelos trilhos.
Estamos trancados dentro do dia acabado.
Meu pai conta os segundos.
É pelo tempo que todos sabem parar.