É dos
carecas que elas gostam mais. Meu pai cantava esta marchinha carnavalesca
idiota para minha mãe depois de uma briga. Só de escrever a merda desta frase
'marchinha carnavalesca' já sinto um arrepio espalhando nojo nas costelas.
Repulsa pela infância, deixemos pra lá, você não iria entender e não temos
vontade de explicações tão cedo na manhã. Tempos tão raivosos, a tudo me
contaminam. Queria ser lírica. Mole. Goiabada. Escrever para o boi dormir. Mas
recebi ontem o pulp fiction autopublicado de L e escrevo por um impulso
irrefreável, como quem tem demência senil e não consegue parar de andar em círculos
pela casa atrás de bulas vencidas. L é um amigo, mora em Berlim há mais de vinte anos. De carecas ele
entende. Escreve seco. Reto. Peão, cavalo, bispo, torre, rei, rainha. Quase foi
morto por essa corja. Em tempos de vibrião colérico lançamos mão de qualificativos arcaicos, corja, biltres, canalhas, súcia, a cara de cada pessoa reflete em mim e só
posso devolver o que ela me dá. Se erguesse meu pai da tumba e lhe cantasse É
dos carecas que elas gostam mais, acho que ele riria. Meu pai acompanha as
notícias mesmo morto. A mudança dos tempos desde 1940 é a mesma, leio datilografado nos seus ossos. Tive aulas de deboche com ele. De westerns. De
filmes sem happy end. De suicídios na ponte do Brooklyn. De metralhadoras. Corpos jogados no Ganges. Nasci
tarde na vida dos dois e meu pai já não via mais E o vento levou com minha
mãe nas vespertinas. O casamento já tinha ido para Solaris, o amor uma aparição
vagando pela nave. Perde-se amigos em convulsões sociais. O filtro é
inevitável. Dolorido. Instantâneo. Você limpa a lama em silêncio debaixo da
torneira. Todos estão com a mão no coldre. Bom não provocar. Bom não pedir
leite no saloon. Tento a ironia e me olham de cara feia. Ninguém quer mais
brincar com ninguém, sou obrigada a guardar os brinquedos na caixa. Empunhar
bandeiras. Sinalizar o amor com cadeados fechados. Escrevo por pontos cegos. Faça o teste. Este país jamais será anarquista.
Aqui sempre eis a plântula da barbárie. Acendo um cigarro ao lado da bomba.
A morte passa numa bicicleta branca. Não foi desta vez. Ainda bem que não somos
imortais, diz R sonolenta pelos vasos sanguíneos. Aos 40 anos, os filmes
começam a nos repetir. Até lá você ainda vê algumas estreias. Oh Lord, don't let them drop that atomic bomb on me. Espero
que L continue escrevendo pulp fictions para eu ler antes de dormir ao lado de
uns versos de Mário Faustino: Corte sem viço –– tampa de nada sobre o vazio povoado
de fontes, parras, nojo –– tal a morte.