12.6.16

Não, não conversamos sobre isso ontem à noite




















Não, não conversamos sobre isso ontem à noite. Você não quis conversar sobre isso. Eu não quis conversar. Não me lembro como foi. Mas não conversamos sobre isso há noites. Desde o começo. Nada é perguntado. Eu também não falo. Parece justo. Eu sei que você pensa nisso e até se debate. Você não quer essa conversa. Quer deixar acontecer para ver como é que fica. É uma saída. As vontades. Mas por baixo de nossa discussão sobre o filme, eu pensava em outra coisa. Outra leitura longe do proposto. Ou em mim mesma. O quartinho quadrado. A cozinha quadrada. A piscina quadrada. A pintura quadrada. A TV. Esta tela. O seu telefone. A tela do cinema. Ninguém gosta de pessoas livres neste quadrado que é o mundo. Botam um preço na liberdade. Tem até a expressão Tomar Liberdades como sinônimo de atrevimento. E pensando. Talvez eu não seja tão livre assim e também não goste da liberdade. É um atrapalho. Temos outras coisas a fazer. Pagar o preço do dia a dia e. Você não me perguntou ontem à noite. E eu nem sei se tenho uma resposta. Tenho pensado. Tenho pensada, para rimar com E Deus permita que eu esteja errada. A que horas ela volta. A que horas ela volta aquela escuridão de onde eu vim. Não sei se você reparou, ou lembra, que no princípio era tudo apagado. E de repente vimos luzes ao longe. E com a luz pessoas e coisas à nossa volta. Coisas macias, coisas duras. Vieram as cores. O quente, o frio. Muros. E daí foi um pulo para todo o resto. A consciência do próprio corpo. Muro. Separado. Das pessoas e coisas à nossa volta. A geladeira branca de uma avó. Você não quer ter essa conversa. A que horas volta a escuridão de onde eu vim. Aquele túnel Dois Irmãos em looping infinito. A escuridão que tem uma mensageira. Seus textos diferem, não muito na verdade. São pré-programados, no estilo de época. A finalidade é a mesma. A mensageira recebe a incumbência e entra em ação. É do ato que não queremos falar. Sim, deixe como está para ver como é que fica. Os atos podem ser lentos, medidos passo a passo. Não há por que nos apressarmos. Deixemos acontecer. O Dois Irmãos sempre em curvas suaves. Infinitamente. E quando a mensagem chegar, deixemos que se transforme aos poucos. Permita a metamorfose lenta e progressiva. Que sirva de alimento o que foi feito alimento. Permita a ação do tempo. Como de antes da escuridão. O corpo viveiro como obra de arte. Tomando novas formas a cada segundo. Cada corpo um trabalho diferente. Uma leitura diferente. Um desfazer para fazer. Miniaturizando-se. Recromatizando-se. Ganhando uma nova superfície a cada segundo. Novos conectivos. Todo contorno. E se fazendo corpos. Pequenas composições. E se fazendo histórias. Histórias curtas. Muito curtas. Filhotes do corpo original. Do tempo vivido para tempos viventes. Histórias de histórias de histórias. Desengavetando-se. Abrindo caminho, abrindo passagem para estágios desconhecidos. Bolhas de sabão. E se você parasse, eu diria. Se você me perguntasse, eu diria. Não, não me queime. Dê de comer às crianças.