6.10.16

Oficina Literária Dr. Mabuse I





poeta brasileiro nenhum presta mugem de sol a sol a mesma pastagem azeda que cospem para que se leia como pasto doce mugem como a vaca que não me deixa dormir todas as noites ao pé da janela eu quero matar essa vaca eu não sei matar uma vaca e como levá-la ao veterinário por barco descendo o rio Phongolo ou chamá-lo aqui para encaminhá-la ao Hades Bovino maldita hora que vim para esta fazenda rezo para a morte ser breve as encostas das montanhas se afogarem numa nutritiva inundação de gente e gado eu assinei o contrato dois anos de locação o curral sempre aberto ao nascente cada mulher uma cabeça eu vou matar os agromercadores ando com um fura-corpos na cintura o que aprendi com meu pai assustando toda a jagunçada caubóis que vou cozinhar numa panela fervente como a gente que me segue me livrei de todos e trabalho na minha oficina literária sem parar a vaca mugindo na minha cabeça nem papel tenho para rasgar quando escrevo no rio Phongolo e mostro numa assembleia de poetas que nada prestam na busca de consenso cada um seu próprio espaço vazio brigando por território sob ameaça de vexame poetas anões elegem seus chefes de tribo um chefe mostra-se generoso não critica seus súditos mas em nenhum momento abdica da gigante distância que o separa deles os anões fechei todas as entradas e saídas os buracos que dão em mim ninguém entra ninguém sai não tenho amigos tenho clientes o que é um pouco hostil a minh'alma bosquímana acostumada a surras de pai para filho o que pode significar amor e ódio onde tem amor precisa haver ódio isso bem-bem não foi a vaca que me ensinou foram os leopardos se amando às margens do cabo da Boa Esperança quando Deus enviou a Besta e criou o Homem e a Mulher outra vez num dia calorento após o último Armagedom e Deus chegou acompanhado de muitos cães certamente não de vacas malditas vacas e os cães de Deus conduziram-no ao acampamento de vidas onde ele distribuiu cada uma a cada corpo esfacelado na terra e veio outra humanidade como quando se enfia o dedo na tomada e leva-se um choque dois três hoje são bilhões de almas e Deus foi embora com seus cães até a próxima estação das chuvas anunciada por trombetas os cães de Deus é que o mantêm vivo isso poucos sabem só os marinheiros prevenidos sabem e eu, que desci o rio Phongolo carregando uma vaca no barco para trocar por dois poetas portugueses que me dessem banho e me fodessem debaixo de uma amendoeira gorda me fodessem todos os dias como as boas normas da vida poetas que não chegassem a ser humanos poetas com mau cheiro e olhos melancólicos escorrendo como a gordura de animais sacrificados e eu estenderia minha mão direita empunhando a caneta e reviraria aquelas tripas arrancaria pedaços e comeria reescrevendo a história da minha vida na linha dos paralelos sepultando por fim a vaca no mar.