29.4.17
O pátio
Eu não chamo minha filha de Hilda
Se tiro as lentes tudo embaça
E Hilda já foi
Descemos o pátio
E te apoias em mim
No que não digo
A trava estala no vão da porta
Giro o corpo e aponto
Tu te apoias no meu sangue
E o navegamos em água do mar
14.4.17
1 poema de Anne Sexton
Depois que escrevi isso, um amigo rabiscou na página, “Sim".
E eu disse comigo mesma, “Preferiria que fosse por um
arrebatamento diferente — como Molly Bloom e seu 'e sim
eu disse sim eu quero Sim'".
Não é uma tartaruga
escondida em seu pequeno casco verde.
Não é uma pedra
para você pegar e colocar sob sua asa negra.
Não é um obsoleto vagão de metrô.
Nem carvão que se possa acender.
É um coração morto.
E está dentro de mim.
É um estranho
que já foi satisfatório,
abrindo e se fechando como um molusco.
O que me custou ninguém pode imaginar,
psiquiatras, padres, amantes, filhos, maridos,
amigos e muito mais.
Saiu caro continuar.
Mas ele deu o troco.
Não negue!
Fico imaginando se abril poderia trazê-lo de volta à vida.
Uma tulipa? O primeiro botão?
Mas são apenas devaneios meus,
a compaixão de quem observa um cadáver.
psiquiatras, padres, amantes, filhos, maridos,
amigos e muito mais.
Saiu caro continuar.
Mas ele deu o troco.
Não negue!
Fico imaginando se abril poderia trazê-lo de volta à vida.
Uma tulipa? O primeiro botão?
Mas são apenas devaneios meus,
a compaixão de quem observa um cadáver.
Como ele morreu?
Eu o chamei de VIL.
E disse a ele, seus poemas cheiram a vômito.
Não fiquei para ouvir a última frase.
Ele morreu na palavra VIL.
E o fez com a minha língua.
A língua, dizem os chineses,
é uma faca afiada:
mata
sem derramar sangue.
("The Dead Heart", trad. Maira Parula)
Eu o chamei de VIL.
E disse a ele, seus poemas cheiram a vômito.
Não fiquei para ouvir a última frase.
Ele morreu na palavra VIL.
E o fez com a minha língua.
A língua, dizem os chineses,
é uma faca afiada:
mata
sem derramar sangue.
("The Dead Heart", trad. Maira Parula)
6.4.17
Terra Gasta
É uma terra gasta. Ela traduziu como gasta. São três minutos daqui até o sinal vermelho. Dora não está na base em Munique. Estivesse, tomaria cappuccino. Mas ali Dora pede cachaça. O químico disse que toda cachaça daquela cidade lava a gordura ingerida pelo corpo. Lava todos os males. Comia o pé de porco com as mãos. Ela o respeitava e tinha pena do porco vivo. Naquele dia almoçaram na Alameda dos Fetos. Nunca conseguiu ter uma visão botânica da paisagem. Depois se protegeram da chuva sob a colunata. Esta é uma terra gasta. Precisava entregar o material às 18 no máximo e só tinha o final pronto. Como começar para chegar até ele? Uma explosão de bomba no metrô – um falso médico à cabeceira do informante terminal – um anel inteligente que se joga no bueiro para alcançar a cidade mais próxima – não, já tinha visto recurso igual em 17 filmes pelo menos. Começar pelo fim complica. É como chegar em casa sem ter saído. Terá de lembrar dos passos que não deu para chegar até ali. Ou apelar para a lembrança dos caminhos que fez no dia anterior, mas o final será outro. Outra casa. É uma terra arrasada. A cachaça acaba em curtos goles. Não sente nada. Nenhuma diferença de quando chegou. Está ali há meia hora e a mesa limpa já se cobria de pó. Cobria as pistas. O papel do caderno barato não aceita a tinta. Tem de escrever a lápis. Eletrônicos chamam atenção. Fica olhando para o último parágrafo. Seis linhas que não lhe contam nada. Fecham uma história que ela não sabe como começou. Procura em cada frase um sinal. Depois palavra por palavra. Estão lacradas. De má vontade. De rabo preso. O de olhos ternos. Um homem na mesa ao fundo não lhe tira os olhos de cima, como se seu amor bebesse por ela. Sempre que isso acontece ela os imagina cegos. Não tem por que olharem para ela. Que nem ali está. São olhos que veem o que inexiste. Um pássaro que contém almas aprisionadas. Sua mão atravessa a mesa e pega um novo maço de cigarros inócuos na bolsa ao chão. O homem a acompanha pelos movimentos. É um cego astuto, um marinheiro fenício, detecta pelo calor. Dora encosta a cabeça na parede e do outro lado é um posto de saúde. Velhos, mulheres, crianças tossindo, aguardam a chamada em meio a garrafas de água parada. Dois bancos e um cartaz de silêncio. Ela espirra com a poeira do reboco e gira a cabeça de volta para o caderno. “A toda gente coube o umbigo, única prova de sua humanidade terrena.” Uma epidemia – uma pandemia. Suas mãos se esfarelam e ela esconde os braços sob a mesa. Espera que voltem. Da última vez demorou quinze minutos. Contou-os no relógio da estação. Ela ainda precisava de um começo. E quando tiver 110, fará de novo 55.
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