23.9.18

Um pouco queimada de sol





Eu posso estar equivocada ou ter absoluta certeza de duas coisas: tocaram fogo no país ou a campainha. Nesse momento pré-sono em que parece que deliramos e depois abrimos os olhos com um leve estremecer me vêm fragmentos de textos descoordenados em sequência que quase sempre esqueço quando a luz entra por minhas órbitas e apaga tudo mas até que vi o poema animação que você fez tão techno tão neônio e clean que julguei peça publicitária gostando mesmo assim e já ia digitar uma bobagem embaixo um verso de canção Eu não aguento mais para significar estou com saudades suas e não devolvo – aquela saudade vaga e cinematográfica da pessoa ausente atravessando sua tela mental com um vento de pulsos elétricos. Bem, meus olhos abriram e não deu para digitar nada a você dentro da cabeça. Senhora.

Você deve estar mais velha e eu a acompanho nisso. Dançamos, e digo no seu ouvido: podíamos usar uma pomada. Você faz um olhar de malícia e aposta sem um único movimento dos lábios – não sei como consegue isso – e eu fico com preguiça de explicar que não se tratava do que eu acho que você pensou. Atribuo às pomadas mil milagres diferentes. Um deles certamente é você entrar dentro de mim com tudo. Com toda você inteira. Cabeça tronco membros e o que pretende. Nós duas fazendo uma nova mulher e desaparecendo dentro dela correndo pelo circuito sanguíneo e chegando na praia um pouco queimada de sol. Depois, no silêncio venoso dessa nossa nova casa, você vai até a cozinha, pega o jornal sobre a mesa e volta ao quarto aborrecida com as manchetes. 
Eu não vou mais levantar e me pergunta: você viu os meus óculos?