13.2.21

Um teto todo outrem




Desperto de maus bofes. Cansada e revoltada são palavras frouxas para definir o meu estado. Não perderei tempo indo ao léxico que fica na casinha recuada onde faço minhas necessidades. Pressinto que parentes planejam matar-me entre segundos de insanidade e sutileza, que poetas conspiram para escorchar-me os piores versos, principalmente os piores por quem mais me afeiçoo. Certos dias, quando dotada de paciência, leio poetas patrícios e descubro um verso meu ali, uma ideia que já compus acolá, e sentencio “furto qualificado”, mas entendo que no fundo todos escrevem as mesmas coisas-ninho, que estamos todos debaixo do mesmo teto todo outrem, enterrados nos mesmos campos, escavando as mesmas minhocas, e afinal que minhoca sou eu no incomensurável cosmos de cabeças decepadas? Hoje é 13 de fevereiro e acho esta data de grande sororidade sonoridade, queria ter nascido do útero dela, mas nenhuma diferença faria, bem sei. Um governo coturnado bate à porta e quer vacinar meus animais e ferramentas agrícolas com seringas ocas da guerra dos Bálcãs. Escondo-me no miolo de bananeiras e enfio trapos nos ouvidos para não escutar ninguém. Debandam. Em seguida almoço e ouço canções de erotismo histérico e pueril. Tomo um banho rápido só para perfumar-me que limpa já sou, é a sujeira que tenta nos convencer do contrário. Há livros para ler mas empreguiço-me com todos. Fastio. Olhando assim de bastidor, pareço burlesca, não sou. Tudo fingimento. Serôdio. Estou na primeira fila do meu teatro e me assisto penalizada. O ingresso para ver-me é muito caro. Não valem as penas. Deixo-lhes então no tablado a companhia pucciniesca do meu galo. O velho que mo vendeu disse tratar-se de um legítimo galo polonês. Como de Polônia só cheguei até a Lituânia, aceitei-o pelo preço pedido, Мда, доста съм съгласна. O bicho canta que é uma beleza, quer ser o maior país da Europa. Numa bandeja de prata.