Eu não estava preparada para
uma vida atrás das grades em minha própria casa. Quando tudo começou e na
estrada de terra seca não passava mais ninguém, o vento apagando todo rastro
que eu poderia seguir no dia em que tudo aquilo tivesse um fim, havia coisas
que eu precisava fazer que não dependiam de mim.
Estas são as piores.
Coisas que precisariam ser
consertadas em meu corpo. Que uma outra vida teria de fazer o serviço por mim. E
de repente não havia ninguém. Era como se ao levantar-me de uma cadeira de
rodas para gritar socorro, a janela fosse uma escotilha lacrada, me faltassem
forças para abri-la e acabasse indo ao chão sem conseguir nem mesmo rastejar para
o convés deserto de um navio deixado para trás.
Não tem tanto tempo assim que
você foi embora, mas sua presença durou uma era. Sempre tomando conta de tudo
para mim, para nós, para a casa. Esta cidade que somos. Eu já não sabia mais
andar por minhas próprias pernas. Pagar contas, comprar comida, conversar com
estranhos, receber amigos. Agir era transportar-me pelo quarto, olhar pelas
vidraças. Olhar para dentro. Rabiscar no papel. Adormecer.
Você só dizia, Escreva.
E eu escrevia. Prisioneira da
mesa, do papel, do lápis, do alfabeto.
Até que um dia você quis a sua
solidão só para você. Sem depoentes. Fez as malas e se foi. O vento não demorou
em rasurar suas pegadas. Eu não poderia mais segui-las.
O que fazer com esta mesa? O
papel, o lápis, o alfabeto. O meu corpo. Esta cidade que são.
Há oito ou dez palavras novas
que todo mundo aprende a cada inédita calamidade. É para isso que servem desgraças
e hecatombes. Para aumentar o vocabulário da humanidade.