Já nos despedimos desde o começo. O seu corpo pequeno vigiado
por outro grande. E um dia na rua você descobre que há outros corpos pequenos
como o seu. Mas você não os quer por perto. Eles andam em bando aos gritos e
olham para você atendendo a um rancor antigo. Um rancor que não é o seu. Você tem medo. Treme.
Quer voltar para a casa que dizem ser a sua – para o conforto de corpos
grandes reconhecíveis. Lá são gritos que já conhece. Você é uma criança – dizem
também. Mas como posso ser o que mais temo? E daí você precisa provar que não é
criança. Que não se quer por perto. E cresce depressa. A gram pressa. Surpreendendo
os corpos grandes da casa, que vigiam o seu novo corpo ainda mais. E um dia você
descobre que não quer ser como eles. Por que continuo temendo ser o que sou? E
não quer ser mais corpo nenhum. O corpo dói-se todo por dentro. Quanto maior, mais
forte a dor. A coita de suportá-lo, carregá-lo para todo lado. Então
você se anestesia. O toque de mãos suaves faz você esquecer-se da dor
por alguns aquis e alis. Mas a dor volta. A dor não se despede. É perpétua. Você
odeia o seu corpo e procura esquecê-lo pensando. Eu não sou esse corpo, eu sou
o que está dentro da minha mente. Espírito – dizem. Você os manda à merda,
silente. Não acredita nisso. O fastio de dar nomes a todas as coisas. Encasulá-las.
Angústia – dizem. Depressão – crocitam. Você quer que as sentenças se fodam,
junto com as línguas que as pronunciam. Dobra a dose e dormesca. Por um momento não
vê a dor. Não vê o corpo. Não vê mãos suaves. Está no Egito. No que parece o Egito
dentro da sua casa, que não parece alhures nenhum. Amanhã o corpo se reapresentará e com
ele a dor. A dor não se despede nunca. O corpo... ah, sim, este você pode
despedir.