29.7.22

O tronco do ipê

 

Nasci no século passado, no decurso da leitura aos berros de uma poesia slam. 

Na sala de parto, espalhados pelo chão, os tecidos espectrais de meus irmãos não nascidos. Dava para fazer dois times de futebol. Até hoje acho que eles e elas me acompanham sem conseguir pegar a bola, que está comigo. 

Não fui profundamente desejada, mas instrumento de salvação de uma mãe. Ela não poderia tocar mais uma vez naquele mesmo ritmo. Seria fa-tal. E sua crença ingênua fê-la sonhar com a Virgem trazendo-me nos braços, um bom augúrio. Se bem que uma Virgem diabólica – diria mais tarde à menina que lia O tronco do ipê – porque aquele bebê nasceu para cobrar-lhe os pecados. 

Foi tudo muito rápido. Uma ejeção. Um despejo. 

Também eu livrei-me de um corpo estranho. 

o entendi os versos. 

Não acompanhei sua voz.