O tronco do ipê
Nasci no século passado, no decurso da leitura aos
berros de uma poesia slam.
Na sala de parto, espalhados pelo chão, os tecidos
espectrais de meus irmãos não nascidos. Dava para fazer dois times de futebol.
Até hoje acho que eles e elas me acompanham sem conseguir pegar a bola, que
está comigo.
Não fui profundamente desejada, mas instrumento de salvação de uma
mãe. Ela não poderia tocar mais uma vez naquele mesmo ritmo. Seria fa-tal. E
sua crença ingênua fê-la sonhar com a Virgem trazendo-me nos braços, um bom
augúrio. Se bem que uma Virgem diabólica – diria mais tarde à menina que lia O
tronco do ipê – porque aquele bebê nasceu para cobrar-lhe os pecados.
Foi tudo
muito rápido. Uma ejeção. Um despejo.
Também eu livrei-me de um corpo estranho.
Não entendi os versos.
Não acompanhei sua voz.