16.10.07

A felicidade tem cara de bola de tênis suja






Há pessoas diante das quais você não pode mostrar que está feliz, elas vão achar sempre que você está bêbada. O que no meu caso, invariavelmente, é verdade, porque ser feliz na presença delas exige de mim manutenção alcoólica constante. Chamemos de Hilda uma dessas pessoas. 

Não éramos amigas, nem parentes, mas uma circunstância trágica da vida permitiu que nos aproximássemos. Diferente de mim, Hilda não sabia tirar mínimos prazeres de uma palestra sobre o icosaedro. Nem a convido mais. Decepcionada com o mundo corporativo, um dia Hilda largou o emprego e foi viver de jogar tarô para pessoas que necessitam dos arcanos para saber se devem pegar a rua do Lavradio ou a Almirante Cochrane. Eu não acredito em tarô, acredito em tarólogos convincentes. Hilda baixou para mim suas cartinhas ilustradas umas duas vezes. Na primeira, disse que um projeto meu, do qual nem lembro, se me lembro bem, seria um sucesso. Não foi. Alguém teria batido na minha porta. Na segunda vez, afirmou categoricamente, após vários telefonemas mentais e intercâmbio de Cabalas, que eu estava encolhendo. Mentalmente?, ora, isso não é novidade. Não. Encolhendo fi-si-ca-men-te. Encolhendo no sentido leste-oeste?, eu perguntei dessa vez animada. Não, você está encolhendo no norte-sul. Está perdendo altura, ficando mais baixa. Mais baixa? Bom, com a idade perdemos alguns centímetros, a coluna verga, é isso? Ela fingiu-se de surda e ficou brincando de pêndulo com o meu gato incrédulo. Não sei se isso era uma resposta. Já se passaram alguns anos, estou do mesmo tamanho e até cresci uns três centímetros, reparo agora na sessão de alongamento. O que foi feito de Hilda. Bom, Hilda sumiu dos radares, talvez porque lhe desejei Feliz Natal no dia da Paixão. Suponho que deve ter se voltado para as cartas mamelucas. Acho que Hilda é daquelas pessoas para quem a felicidade não pode ter uma cara. Nyuk-nyuk-nyuk! Nem todo mundo entende que a felicidade tem cara de bola de tênis suja.