19.3.12

O nojo



Falo do nojo porque para mim agora não há outra sensação. Nojo real. Me repulsam odores. O cheiro da casa. O cheiro da comida. O cheiro do meu corpo. De corpos estranhos. De corpos queridos. Dos estados de intensa impaciência. Conteúdos latentes. Eu estava sozinha na varanda fechada quando o nojo chegou como bois na canga. Limpei a vidraça com a manga da blusa e reconheci os caracteres. Nojo. Uma versão aperfeiçoada da vingança. Vomitei seis vezes num capítulo único. Pode-se acompanhar e adivinhar o final. A autocomiseração. Uma ida ao médico. Responder às ameaças noticiosas dos manuais de saúde. Me fazer perguntas desconcertantes. Não suporto mais o cheiro do mundo e seu pó de café. Minhas estranhas espécies de vida. As mãos brancas e trêmulas, o coração empinado passando pelos quartos, evolando túmulos. Perdi já uns quatro quilos em poucos dias e o máximo que você pode fazer é pensar se eu perdi ou não. Que estou mentindo aqui enquanto você lê sem a minha presença, dividindo as substâncias. Engraçado como às vezes as pessoas dão a impressão de estarem pensando nas coisas quando na verdade só estão respirando o fôlego curto da civilização diluída passando lotada. Mas o poder da repulsa é tão forte, assim estirado na cama. Como moscas pilhando o doce. Um peixe de vidro. A cor do tijolo em meio à paisagem ácida. Começa e não sei onde acaba. Tem um canto e não vejo o outro. O nojo puxado por mulas. Untando o corpo das jovens de bilirrubinas. Laguna é o vazio da consciência, petit mal. O lapso. Percebo que seria mais fácil se eu desenhasse pois o nojo passa para as palavras, segue para o sul, corre de novo para o norte, por uma janela redonda, e por alguma razão mantém-se sempre na mesma altitude. Acendendo e apagando, esparramando-se dentro de mim. Um vulto desconhecido até que eu entre na casa novamente, pegue o meu rifle, interrompa o vazamento e volte para a minha cama. Tudo isso era bobagem, que Deus me ajude. Eu estava a meu serviço e desembocaria noutro sonho que levaria tempo para desaparecer: um livro que li na infância, com uma pequena caixa de ferramentas e o equipamento de solda.