23.10.12

A mancha




Você não gosta de berinjela. Não houve um dia na sua vida em que tenha gostado de berinjela. Quando diz berinjela, está querendo dizer berinjela, não jiló. Uma palavra em ordem, tal como está. Sem lógica vaga. E tem mais. Não se trata de uma berinjela. Ou de uma qualidade específica de berinjela. Você não gosta das berinjelas. Nem do plural você gosta. Seja das de Madame Cartet ou do Auberge de la Madone. Muito menos das do Le Prieuré. Você não suporta berinjela nacional ou provençal. E, veja só, não sabe o que fazer com isso. Acha injusto, e perigoso. E se um dia o mundo se acabar em berinjelas e você não conseguir comê-las? Não comerá nunca mais. Definhará. Mofará pelas beiradas como berinjelas da semana que virá. Porque a verdade é que, mais do que não gostar, você tem asco. Um asco lento e insidioso. Que muda o seu rosto. A ponto de ser impossível retratá-lo. Reconhecê-lo. Fotografá-lo. Você tem tanto asco que não o nomeia. Simplesmente diz, Não gosto. Como quando lhe perguntam o que achou da cor de um esmalte. E perguntam tantas coisas a você, mas fiquemos só no esmalte, que nos leva em várias direções. Não gosto. É o que você diz, e por dentro quer vomitar. Por dentro não se vomita, e você não vomita. Você tem asco de tantas coisas que não vai querer ditas aqui. Porque não caberia. Não caberia. Há pudores. Podem pensar mal de você e isto você não quer, mesmo que tudo que faça seja para que pensem mal de você. Podem pensar bem e isto você não quer, porque você vai dizer e vão repetir, vai dizer e vão repetir. Vão repetir tanto que o que disse não será mais seu. Você acredita nisso. E agora está nesse pé. Não consegue chegar ao segundo capítulo do livro que está escrevendo porque jamais consegue chegar ao segundo capítulo de nada. Está se ouvindo? Sempre vem uma coisa a esmagar o dito antes e você não pode continuar. Precisa parar. Porque no que escreveu diante de si vê uma correspondência consigo mesma. Insidiosa. E ela se ajusta a você, cabe na sua forma, e em volta do que disse continua tudo branco. Um buraco em que você não cabe mais. E não pode descrever. E tem de parar. Com um ponto final.