25.2.13

Procure onde está


Dóris sofre de mialgia seletiva. Tem dores musculares pelo corpo todo. No peito. O mundo lhe bate à porta e não entra. Os músculos são uma trincheira. Há um bom tempo Dóris namora um rapaz de bem e diz que é sem compromisso. O bem já está ficando cansado. São os músculos que não deixam Dóris casar. Para acelerar o arranjo, as duas famílias chegaram a marcar consulta n'A Protectora Nupcial de Juiz de Fóra, uma sociedade anonyma de peculio dotal para casamentos por mutualidade, $150 a hora. No último minuto, um entrave no adutor magno impediu que Dóris os acompanhasse. Não houve reunião nenhuma e o rapaz de bem jogou fora a concha vazia que escutava há cinco anos. Dóris não sabe por que é assim. Sabe o que lhe ensinaram: que tudo que parece, não é. Dóris discorda. Os músculos também, e lhe dizem que a verdade está sim na aparência. Só não vê quem não quer. Quem prefere procurar das coisas o osso. É complicada a relação musculoesquelética. Ela desistiu de entender, embora seja muito proprioceptiva. Dóris escreve estas coisas com papel e lápis. Flexores e extensores servindo de inspiração numa escrita cambada. Os músculos é que são rapazes de bem, só eles sabem ler a sua coluna. E por Dóris escrever o que lhe dizem, ela nunca teve cãibra do escrivão. Sua miológica é uma barreira para a tristeza do que outros querem escrever na sua vida. Quando anoitece, ela fecha o diário e vai para a cozinha, fazer pipoca com os rapazes e tomar suco de laranja com vodca.