Alguém já disse que uma biblioteca é o sanatório das almas. Uma boa definição. Há os mais melosos que a chamam de coração da humanidade. E ainda aqueles que acham que toda biblioteca não passa de um depósito das maldades do paganismo e do ateísmo. Longe de definir, eu gosto de estar dentro de uma biblioteca. De preferência antiga, muito antiga. Quase medieval. Encardida pelo tempo. Com teto alto e corredores escuros. Corredores não, ruas, avenidas, para eu me perder sozinha por elas. Estantes gigantescas que não poderia alcançar sem uma escada. E escadas, sempre há poucas. O ar, o ar precisa ser irrespirável. Inflamatório. As lombadas, empoeiradas, para se descobrir os títulos pouco a pouco. Letra por letra. Principalmente é preciso ter medo numa biblioteca. Medo do beco ao lado. Da constrição dos contornos. De olhos que nos espiam sobre alceamentos. Medo do escuro. Das ilustrações fantasma. De não conseguir distinguir nunca mais texto e croqui, mesmo sob a chama de um isqueiro. De vozes baixas, de passos lentos que se aproximam e se afastam. Medo dos livros que podem despencar sobre mim e me sufocar. Das linhas em desvio que não devo ler se quiser sair viva da biblioteca. Dos insetos achatados dentro de mapas sem chegar ao seu destino. Medo de começar a roer papel. De ser roída se fizer da palavra escrita uma forma de vida justificada em colunas. De onde se lê “vida”, leia-se “morte”. De poemas grampeados a cavalo. Há que se temer bibliotecas. E acorrentar livros. Nervuras. Como nesta biblioteca na Filadélfia, onde vivem acorrentados séculos e séculos de folhas e almas.
21.2.13
Sanatório das Almas
Alguém já disse que uma biblioteca é o sanatório das almas. Uma boa definição. Há os mais melosos que a chamam de coração da humanidade. E ainda aqueles que acham que toda biblioteca não passa de um depósito das maldades do paganismo e do ateísmo. Longe de definir, eu gosto de estar dentro de uma biblioteca. De preferência antiga, muito antiga. Quase medieval. Encardida pelo tempo. Com teto alto e corredores escuros. Corredores não, ruas, avenidas, para eu me perder sozinha por elas. Estantes gigantescas que não poderia alcançar sem uma escada. E escadas, sempre há poucas. O ar, o ar precisa ser irrespirável. Inflamatório. As lombadas, empoeiradas, para se descobrir os títulos pouco a pouco. Letra por letra. Principalmente é preciso ter medo numa biblioteca. Medo do beco ao lado. Da constrição dos contornos. De olhos que nos espiam sobre alceamentos. Medo do escuro. Das ilustrações fantasma. De não conseguir distinguir nunca mais texto e croqui, mesmo sob a chama de um isqueiro. De vozes baixas, de passos lentos que se aproximam e se afastam. Medo dos livros que podem despencar sobre mim e me sufocar. Das linhas em desvio que não devo ler se quiser sair viva da biblioteca. Dos insetos achatados dentro de mapas sem chegar ao seu destino. Medo de começar a roer papel. De ser roída se fizer da palavra escrita uma forma de vida justificada em colunas. De onde se lê “vida”, leia-se “morte”. De poemas grampeados a cavalo. Há que se temer bibliotecas. E acorrentar livros. Nervuras. Como nesta biblioteca na Filadélfia, onde vivem acorrentados séculos e séculos de folhas e almas.