Lulike tem
duas pernas lindas. Os braços não ficam para trás. Descansados sobre a
mesa, Lulike rola meus poemas duas horas pela manhã. Uma
para cada perna. Eu sei não por me contarem, ou por instrumentos de
pesquisa. Eu sei porque vejo daqui a janela de Lulike,
ali, bem em frente à minha, onde ninguém lê meus
poemas duas horas por dia. Eu também me chamo Lulike, um nome
muito comum na nossa região. Lulike abre o laptop e quando aponto meu Outland vejo minha página refletida no espelho da sua
parede. Saindo da moldura. Peixinho de aquário não volta para o mar. À tarde, no mercado de Havelská, Lulike multitoque
não me cumprimenta. É a parte que fica faltando. Fazemos compras e de
repente me sinto lançada em Utah. Ouvimos músicas diferentes. Ela sabe
quem eu sou, mas finge tão bem que até duvido. Nesses momentos
agradeço a Heqet por me lembrar que eu estava naquele lugar e não
sabia. Fico uma meia hora arando ausências e compro meio quilo de pernas
de rã como sinal de devoção. Entre cabelos cobrindo meus olhos, vejo-a puxar a coleira de seu Schnauzer de quatro
patas e afastar-se pela rua. Contei o acontecendo a
Lulike, meu colega de pós-lit em De ruina mundi. Com
dor de dente e pouco receptivo, ele disse para eu botar um
homem dentro de casa e fornicar, que pareço uma prostituta de janela procurando leitores como um bicho no corpo. Não teve nem
curiosidade científica de entrevistar a Lulike de duas pernas só, o fenômeno da cidade. Agradeço
pela sua simpatia, eu quis lhe dizer,
mas pensei, Vá ao cu. Um dentinho que dói não é a peste negra, só um pouco pior que elevador enguiçado. Lulike
estuda tanto e ainda guarda rancores. Não os todos, mas estes. Tiro
uma foto deles. Não saem tão bons. Está chovendo. Parece tudo tão aborrecido e
solitário. Vou fazer pinturas disso, com maçãs do rosto bem gordas. Dou um
gole no vinho enjoativo para fazer descer as pernas de rã e um arrepio eclipsa luas tatuadas. Sopro o pó do Homem elefante na estante. No meio da noite, Lulike passa a chave na
porta, entra na cozinha, sai de lá comendo uma banana. Abre o
laptop e ergue a banana na minha direção. Sorri. Eu sorrio e me levanto sem embaraços pela
primeira vez. Aqui acaba a história. Daqui para a frente posso andar como
quiser.