Marfim ou ébano, distribua as
peças sobre a mesa. Depois é só ficar de olho nos pontos brancos ou negros das
faces retangulares. Ir formando a ideia com caracteres móveis na cabeça. Acender
um cigarro, tomar um café. Evocar. Olhar
a paisagem lá fora. Os homens que fazem fila desde cedo na frente de uma parede
sem porta. A marquise de sobrecéu. Você não sabe por que eles
estão ali todos os dias se nada acontece. Ninguém fala com eles. Nenhum carro
para. Eles só ficam ali na fila da parede sem porta, como unifaces pré-cerâmicos. Alguns sentam, alguns
deitam, a maioria fica de pé, olhando para o chão a passos curtos. Você vê e não entende, nem
pergunta. Para perguntar, teria de sair e ficar na frente da mesma parede. Mover
outra peça que pode levá-lo a perder o jogo. Perder a paisagem. A evocação. O
que estou fazendo aqui? Os homens não estão mortos e não querem falar com você.
Estivessem, por que não querem falar comigo? Então você fica em casa e move a
peça que está na fila para ser movida. Em qualquer ponto da fila, onde quer que
você esteja, você perguntará, O que estou fazendo aqui? Você não chora, porque
lágrimas descobrem os poros, desembestam o cavalo e o jogo é outro. De caligrafia lenta. Precisa ficar controlando as peças, quase em transe. Friccionar as codas com um velho arco de crinas. A mente pode ficar no envelope, não seus
olhos. Um envelope repatriado a alguém
que só se beija no vidro. Aquela do interior da casa. Da estupa. A pedra 6x6. Tudo passa
rápido e você quase não tem mais peças. As regras indicam que este é o caminho
para a vitória. Da fome você não passa. Ao seu adversário resta mais. A boca
fechada. O poder do não expresso. E ele vence. É só um jogo. O adversário, um aliado. Você aprende,
embaralha as peças e ergue outra vez a cabeça. Os homens ainda estão lá. Porque
a porta é sua.