Ela bate à máquina freneticamente, sorrindo, olhos fixos nos
seus tipos.
Parece ouvir uma voz muito longe de casa
e apressa-se em registrar o que ninguém disse.
Nesses momentos não se sente responsável por mim.
Estou na poltrona ao seu lado.
Vejo-a de baixo.
Seu pescoço fino.
Uma mecha de cabelo preto caindo na testa.
A pulseira dourada subindo e descendo no pulso.
Não adianta eu querer chamar sua atenção.
Barganhar ausências de um escuro já vencido.
Comentar que o dr. Martin ligou e pediu-lhe para ligar
depois.
Quer trocar o horário da consulta.
Dizer desse tempo tão seco nosso que arde o gramado lá
fora.
Dar uma caminhada e voltar amanhã.
Ela bate e bate, inventando enfermidades e desgraças.
A cada segundo treme o relógio atrás do seu ombro direito
nu.
Às vezes ela para e me pergunta a capital de um país
remoto.
Respondo e a máquina se enfurece outra vez.
Ouço suas aulas de canto.
Suas traições com periódicos, revistas, livros.
Seu rifle de caça.
Ela me quer num estado vegetativo ereto.
Que eu não perturbe nunca suas horas azuis.
Os poemas que tem encharcados na cabeça.
Os ensaios do seu espírito.
Eu gostaria de encostar o ouvido na sua boca.
Dentro do seu animal.
Dos seus móveis pesados.
Eu gostaria que ela parasse de brincar de não nos vermos.
Gostaria.
Que nos preparássemos para começar a vida toda de novo.
Só uma vez.