Emil chega
atrasado, senta na frente da estante, penteia o cabelo gorduroso em suaves
ondas. Pega um dicionário em capa de neutro azul e posa para a foto. Ay, ay, ay,
ay, ay, paloma. No Império do Eu, estou de uniforme riscadinho de cinza, rainha
absoluta do que ganho de antemão. Não sou a única emissária do mundo, sou a Porca
de Brandemburgo. Guardo meu rabo com AK-47. Dentro da garagem fechada. Dentro do carro
fechado, motor ligado, rádio aceso. Ouço uma partida de futebol e percebo, com autoridade suprapensante, a existência do Outro. Um campo verde. O estádio cheio
de botas desocupadas. Apupos. Gritos. A arma no banco de trás. Estou no meu
sintoma. Emil perde meu tempo com sua má vontade. Carrego a máquina de novo, preciso
despachar o material o mais rápido impossível. Emil olha minhas pernas. O editor olha
minhas pernas. Vejo uma cozinha. A pia coberta de talheres de prata
monogramados. As pernas cansadas de minha mãe servindo oficiais em Ravensbrück. Ay, ay, ay, ay, ay, cantaba. Ay, ay, ay, ay, ay,
gemia. Quero fotografá-la. Emil, o Velho, cochicha com o editor. Nada dizem. É pose. A foto não fica boa. A
Guarda de Ferro não está satisfeita de ser fotografada pela Porca de Brandemburgo. Uma
porca premiada. Eu já li esse filho da puta e não li. Eu já vi esse nada e não
vi. Pisco o olho para ser a vagabunda que todos esperam. A Lady Macbeth
acorrentada. Mas o fuzil engatilhado me obriga a ser eu mesma o que tudo
acontece. O espírito do velho estufa no peito. Clico outra vez. Um carro se
aproxima a distância. Minha alma que regressa. Se parar nos fundos da casa,
viro o braço e pego a Luger. Passa direto. O banco vazio dos meus pais manchado de sangue.
"O mundo é grande demais para porquinhos preguiçosos, menina." Meu pai cortava a grama, mas era o vento. Eu sonhava com biscoitos e mariposas. Meu
Citroën Traction Avant preto de 1911 cilindradas, 43 HP, 2 portas a ponto de
explodir, ofereço ao velho uma carona até o VIe arrondissement, o máximo de milhagem que
posso suportá-lo ao meu lado. O fedor de uísque e repolho contaminando o couro
macio. Sozinho com a Porca de Brandemburgo, ele exibe um leve tremor nas mãos. Como
um feto mexendo os dedinhos rosados manchados de nicotina. Meu sobretudo cobre
a Kalashnikova saudosa de atividade. Prometi a ela um porvir. O cadáver do
Mal. Olho para os lados, as ruas livres de soldados. Kalashnikova, minha irmã
para todas as horas. Mudo de estação e ouvimos um discurso. Emil precisa de
palavras e eu preciso que ele se distraia com palavras, com sua própria
derrota. Estou à beira de um orgasmo violento enquanto controlo os pedais. Que
vergonha, ele murmura dolorido, e fico apreensiva se descobriu o que se passa
em meu corpo. Mas é só o discurso. Não consegue misturar dois planos. Os instintos já
apagados no cinzeiro. O pensamento arde na minha pele, plenamente consciente da
missão. O juiz apita, jogo encerrado. Os jogadores atravessam o pântano a
caminho do túnel. Esgotados, descem escadas, vão para os chuveiros. Viro na última
rua antes que ele pisque. Quero vê-lo se decompor na minha garagem enquanto mudo de estação. Ay, ay,
ay, ay, ay, paloma.