22.8.16

o letreiro amarelo





O letreiro amarelo era uma padaria. Não. É uma fachada amarela. Uma boa padaria. Café com leite bem quente. Xícaras brancas e grossas. Fazia frio. Não. Eu sentia frio. E morava ao lado, no prédio branco mais alto. Décimo andar. Aquele ali com a divisória amarela. Sim, é uma divisória. Estávamos em obras. Acho que fecharam a rua. Havia uma rua ali entre o meu prédio e a padaria. Não estou vendo mais. As árvores são as mesmas. O ponto de ônibus. Mais adiante uma farmácia. Sonecas no sofá de couro frio. Ainda tenho o sofá. Não consigo mais dormir nele. Ele era aconchegante naquela cidade. Como um jornalzinho quinzenal sem importância para o mundo. Uma cidade universitária por excelência. Pombos veterocatólicos nas sacadas. Muitas livrarias. Só não tinha mais livrarias do que clínicas. Cristos. Pé-sujos. Do décimo andar eu via o bairro inteiro. A noite inteira. Agora o prédio está pequeno. A noite está pequena. Tirei fotos das noites grandes. Das pontes entre uma luz e outra. Do nosso colchão no chão. Você usando o meu casaco. Mortas de fome pedindo delivery. A garagem era a parte mais bela do prédio. Bastava embicar o carro na parede aberta que o escuro do céu parecia uma praia. Eu fechava os olhos. Acendia a luminária verde da mesa, a mesma que está comigo agora. E escrevia isso. Tristeza é quando a poesia acaba no penúltimo verso. Mil vezes. Você é que lê coisas diferentes.  A cidade na foto também está diferente. A rua era mais larga. Não virá mais. Eu comprei um lençol de listras azuis e brancas. Nunca mais. Eu recebia cartas: Outro dia pensei em você. Telegramas: Chego amanhã. Não. Está igual. Porque eu vejo igual. Mil vezes. Canetas em promoção. Palavras que não achei.  As paredes nuas. Uma cerveja para ver os automóveis passando calados. De madrugada, os trens. Não é possível comparar uma cidade com outra. A terra em que piso sempre será asfalto. A pequena TV que você me deu lá está escura. Não posso ver mais nada. E fecho os olhos.