24.9.16

1 poema de Günter Eich


Nota de rodapé sobre Roma


Eu não lanço moedas às fontes:
não penso em voltar.

Tanto Ocidente
parece suspeito.

Deixaram de fora mundo demais
e não há lugar
para os jardins japoneses.


-- Günter Eich (trad. Maira Parula)





11.9.16

Outras noites iguais




Os cachorros pegam no expediente às 6. Vão vigiar o território e as pitangas. O abacateiro está ficando carregado. Teremos brigas caninas nesta primavera por abacates. “Venha, vamos ver a propriedade”, é como os locadores falam aos candidatos que vão ver o seu sítio mirrado e improdutivo com um único pé largado de limão. “É limão galego”, dizem com orgulho, como se fôssemos cachaceiras. Então, lá pelas 6 eu venho para esta tela ainda de barriga vazia. Minha edição do Livro Tibetano dos Mortos tem as mesmas cores de um pacote de Negresco, que achei na minha mesa agora. A minha boca sem os beijos teus. Quase todos os sábados vamos a Pedro do Rio comprar frango de vitrine, porque os tempos não estão para salmão. A Vila de Pedro do Rio é um distrito ao lado, esclarecendo que ao lado aqui nesta terra significa milhas e milhas de distância. Pedro não remete a nada do imperador, muito menos a um ser idílico em meio às águas, como imaginam os poetas que aqui vêm, era só um sujeito comum que negociava com os tropeiros e viajantes às margens do rio Piabanha. É um vilarejo tranquilo, um pequeno burgo encurralado sem neoburgueses de 4x4. Ainda se respira República Velha por lá. Poderia ser Macuco e eu nem notaria. Estacionamos. Atravesso a rua como se atravessasse a lua, há dias não saio de casa. Eu errei. Por sugestão minha, compramos um queijo light no Rei do Frango. Mudanças são dolorosas. O queijo revelou-se de vidro moído e foi pro lixo à meia-noite e vinte e três, hora do lanche noturno. Na papelaria que é uma loteria compro duas centenas de folhas amarelas, um caderno pop chinês chamado Notebook e um caderninho de couro para anotar telefones. Voltei no tempo. Uma nova ilusão, não sei. Na padaria tomo um mate gelado e como uma empadinha massuda. Falamos de política. Nem bem falamos, resmungamos. Se tu voltasses a gostar de mim. Meus olhos passeiam pelas prateleiras de víveres. Jornais efêmeros. Alto-falantes eleitorais espantam o silêncio da tarde. Não quero ter além daquele que sonhei. A base da empadinha é dura feito papelão e deixo na mesa antes de sairmos. Contornando a Pedra Maria Comprida, há uma casa depois da estrebaria. Eu poderia ser uma senhora de penhoar fumando na sala e ouvindo A luz difusa do abajur lilás. 






1.9.16

Sísifa




Monica Vitti, à beira da fonte de Pirene, estuda a locação para o seu próximo papel de Sísifa no cinema, direção de Antonioni, que a fotografa. O filme ficou no projeto. La Vitti não gostou da proporção gigantesca de sua coadjuvante, a pedra que teria de empurrar Vesúvio acima para fechar a cratera e salvar o povo ribeirinho das Plêiades, cumprindo assim a sua punição e virando mito. A atriz do Teatro Nuovo, que entendia de lendas e rochas, sabia que seu personagem jamais cumpriria a missão tampa-de-cratera e pediu uma pedra cenográfica ao diretor e marido, que consultou Camus, corroteirista. Após intensa deliberação arquetípica, a resposta foi negativa, com a justificativa de que a atriz precisava passar realismo sacrificial ao público, pois sua Sísifa viveria em três horas de filmagem-escalada inútil o que o homem comum levava a vida inteira para cobrir. Uma barganha. Vitti, com uma centelha de cólera diante da inflexível crueldade sub-reptícia do marido, trocou de mito e personificou o Anti-Prometeu entre quatro paredes. Imbecilizou o marido e mandou Camus à merda. O casamento quase deu água, Camus voltou a Paris já acompanhado de sua Tânatos pessoal sem algemas e as páginas de Sísifa transformaram-se em A Aventura, película incomunicável intensamente vaiada em Cannes, mas com uma hýbris bem mais confortável a todos os capricci intelectuais.










haicai de outono






peidinho da tarde

no leve vento de folhas

-- caganeiras de outono