Sísifa
Monica Vitti, à beira da fonte de Pirene, estuda a locação para o seu próximo papel de Sísifa no cinema, direção de Antonioni, que a fotografa. O filme ficou no projeto. La Vitti não gostou da proporção gigantesca de sua coadjuvante, a pedra que teria de empurrar Vesúvio acima para fechar a cratera e salvar o povo ribeirinho das Plêiades, cumprindo assim a sua punição e virando mito. A atriz do Teatro Nuovo, que entendia de lendas e rochas, sabia que seu personagem jamais cumpriria a missão tampa-de-cratera e pediu uma pedra cenográfica ao diretor e marido, que consultou Camus, corroteirista. Após intensa deliberação arquetípica, a resposta foi negativa, com a justificativa de que a atriz precisava passar realismo sacrificial ao público, pois sua Sísifa viveria em três horas de filmagem-escalada inútil o que o homem comum levava a vida inteira para cobrir. Uma barganha. Vitti, com uma centelha de cólera diante da inflexível crueldade sub-reptícia do marido, trocou de mito e personificou o Anti-Prometeu entre quatro paredes. Imbecilizou o marido e mandou Camus à merda. O casamento quase deu água, Camus voltou a Paris já acompanhado de sua Tânatos pessoal sem algemas e as páginas de Sísifa transformaram-se em A Aventura, película incomunicável intensamente vaiada em Cannes, mas com uma hýbris bem mais confortável a todos os capricci intelectuais.