11.9.16

Outras noites iguais




Os cachorros pegam no expediente às 6. Vão vigiar o território e as pitangas. O abacateiro está ficando carregado. Teremos brigas caninas nesta primavera por abacates. “Venha, vamos ver a propriedade”, é como os locadores falam aos candidatos que vão ver o seu sítio mirrado e improdutivo com um único pé largado de limão. “É limão galego”, dizem com orgulho, como se fôssemos cachaceiras. Então, lá pelas 6 eu venho para esta tela ainda de barriga vazia. Minha edição do Livro Tibetano dos Mortos tem as mesmas cores de um pacote de Negresco, que achei na minha mesa agora. A minha boca sem os beijos teus. Quase todos os sábados vamos a Pedro do Rio comprar frango de vitrine, porque os tempos não estão para salmão. A Vila de Pedro do Rio é um distrito ao lado, esclarecendo que ao lado aqui nesta terra significa milhas e milhas de distância. Pedro não remete a nada do imperador, muito menos a um ser idílico em meio às águas, como imaginam os poetas que aqui vêm, era só um sujeito comum que negociava com os tropeiros e viajantes às margens do rio Piabanha. É um vilarejo tranquilo, um pequeno burgo encurralado sem neoburgueses de 4x4. Ainda se respira República Velha por lá. Poderia ser Macuco e eu nem notaria. Estacionamos. Atravesso a rua como se atravessasse a lua, há dias não saio de casa. Eu errei. Por sugestão minha, compramos um queijo light no Rei do Frango. Mudanças são dolorosas. O queijo revelou-se de vidro moído e foi pro lixo à meia-noite e vinte e três, hora do lanche noturno. Na papelaria que é uma loteria compro duas centenas de folhas amarelas, um caderno pop chinês chamado Notebook e um caderninho de couro para anotar telefones. Voltei no tempo. Uma nova ilusão, não sei. Na padaria tomo um mate gelado e como uma empadinha massuda. Falamos de política. Nem bem falamos, resmungamos. Se tu voltasses a gostar de mim. Meus olhos passeiam pelas prateleiras de víveres. Jornais efêmeros. Alto-falantes eleitorais espantam o silêncio da tarde. Não quero ter além daquele que sonhei. A base da empadinha é dura feito papelão e deixo na mesa antes de sairmos. Contornando a Pedra Maria Comprida, há uma casa depois da estrebaria. Eu poderia ser uma senhora de penhoar fumando na sala e ouvindo A luz difusa do abajur lilás.