15.9.16

Um cão não estranha o escuro





Eu acabei fazendo e agora estou sem sono. 
As pernas, trêmulas. 
Metade da madrugada já se foi. 
Começou com os cães latindo depois que apaguei a luz. 
Um cão não estranha o escuro. 
Levantei, tirei a faca da bainha, 
empunhei firme e abri a porta.
Um cheiro de violetas úmidas. 
A rua iluminada a duzentos metros do meu corpo. 
Vazia.
Apunhalei o ar. 
É irritante escrever em linhas separadas.
Não enxergo bem.
À medida que escrevo,
as pernas vão diminuindo o seu tremor.
Coloco a faca na bainha de couro cru
e vejo que, na adrenalina, peguei a faca errada.
Há uma faca certa para as ocasiões em que os cães latem no escuro.
Ergo a garrafa do chão, tiro a tampa e bebo água.
A água que bebo é corporativa.
Venderam todas as fontes.
Era uma água confiável, agora não mais.
Água que não refresca.
Molha a garganta.
Desce amarrada.
Eu acabei fazendo com o ar e agora estou sem sono.
Levei uma vida inteira para aprender
que as melhores coisas que posso fazer,
e que me darão maior prazer, são com o ar.
Sem ninguém ao lado.
Cruzados sobre o peito,
apenas eu, o ar e o desejo.
E eu o fodo completamente.
Bastam nove estocadas no vazio.
Sua voz.
Seus olhos.
Suas mãos.
Seus lábios.
Nosso silêncio.
Apunhalando o nada.