26.7.21
23.7.21
Non-stop
Reduz a
velocidade porque a estrada vai acabar
para o seu bairro começar na próxima curva. E ali o ar é mais puro frio.
E ela pode respirar pela cabeça das estrelas. Difícil suportar. A cólera
empedrada vai se desfazendo à medida que os pneus deslizam entre árvores. Inspira
fundo ao chegar no posto pouco depois da entrada. Nada. Pisca os faróis e
estaciona. A cerveja à espera na mesa. Todos conhecem sua rotina. Sua rotina
conhece a de todos. Do marido, dos amigos. Faz a mímica de beijos atirados. Puxa
a cadeira e senta. Todos já se fartaram. Tinham fome. Quem chega de uma viagem
de quatro horas non-stop não tem fome. A maré do sangue precisa baixar. Dá um
gole na cerveja. “Em Cabo Frio, todo mundo sabe que você foi rebocada.” Não
entende do que estão falando. Acha que ouviu essa mesma frase num filme antigo
de combustão espontânea. Apostaria que ninguém ali o viu. O jardim de vozes embaralha
seus sentidos. Não consegue concentrar-se em nada do que dizem. Não ouve mais.
Não opina. Não se interessa. Apenas uma lápide de cortesias emoldura seu
rosto. Os olhos fixos na rua deserta lá fora. Nenhum automóvel costeia o posto para
abastecer. O seu deserto químico. Não quer voltar para o carro e ligar o motor.
Como justificar depois? Na bolsa não resta um frasco. Ri quando todos riem. Fica
séria quando ficam sérios. Merda. Ninguém para. No desfecho do segundo copo da
cerveja intragável, um automóvel enfim contorna as bombas e para na aditivada. O
frentista aperta o gatilho e ela vai até a janela de um salto. O parapeito só
para si. O cheiro da gasolina liberta-se do reservatório subterrâneo e o
oxigênio se cala. Ela inspira fundo outra vez e aos poucos o cheiro de puro plâncton
a acalma. Tudo muito simples. Muito basso ostinato. Nada mais tem esse poder. Nem
drogas, nem perfumes, mantras, os antolhos de bons livros, um bom banho, um bom
marido, um bom filho que a obriga a ser mãe quando queria ser filha para
sempre. Só o aroma da gasolina vibrando pelo ar como “When I am laid in earth”.
Sente-se aquecida agora. Naquele parapeito só para si. Como se escrevesse uma
coisa pensando em outra. Quando saem do restaurante do posto, ela vê uma
pequena poça de combustível escorrendo para o meio-fio. Agora. Tudo poderia dar
certo. Ela para ao lado da poça. Acende um fósforo, coloca o cigarro na boca e olha
para o marido com malícia. Na cabeça medíocre do homem ela está com saudade e ele
se aproxima. Agora. Ela o abraça para ficarem um só. Agora. Não. E assopra a
chama do palito: a Paradise within me, happier farr. O prazer mais íntimo não
se divide com troianos.
10.7.21
Mädchen in Uniform
A professora de matemática foi meu Mädchen in Uniform
Nos rochedos atrás do pátio
A sua sala privativa depois das horas
Nas galerias tristonhas do liceu onde se confundiam os homens e o mundo
Nos banheiros femininos em que nos fumávamos pelo sangue
As casas noturnas de bairros distantes passando lentamente
Quando o marido viajava atrás de seus bezerros de ouro
No fundo de todas as coisas
Falávamos línguas diferentes
Eu era uma desgraça operacional
Para entender ao meu lado
Que por (5t – 9 = 16) ela queria dizer Sim.
Que (5x + 6y = 1) era Não.
E (t4 – 8z = x) significava Quero te ver agora.
Com o tempo as sentenças ganharam fluência e não havia brigas
E irredutíveis nessas conversas só nossas
Não sei o que lhe deu ao me ver sentada na última fileira
O primeiro dia do curso
Quem sabe o que não sou mais capaz de ver em mim
Há entretantos no entretanto
Hoje a saudade é uma fisionomia
Páginas avançam sem contar essa história a ninguém
E não contam
O que determinado momento da vida corpo
É toda essa enormidade consciente até o fim
Contar
Seria como morrer
Laceramento
Torquemadas chamariam de παράφιλία o que era
Uma vertigem de ferro a queimar tout doucement