20.7.12

Ela blindou o carro e todo o mar Egeu








Ela blindou o carro e todo o mar Egeu. 
Roubou-me os hexâmetros, casou com meu irmão e engoliu-o. 
Vomitou-o por dez anos. 
Depois cortejou-me à força como se eu fosse 
um homem ou animal que lhe agradasse. 
Sem sucesso. Leoas não acasalam com leoas. 
Ao fim de cada noite implorava com mais raiva do que antes. 
Implorou até ficar velha e construiu uma cidade. 
Nunca fui visitá-la. 
Já dormimos sobre a mesma cama, 
mas isto foi antes de ela chamar a atenção de meu pai. 
Pariu-me dentro de uma biga durante os Jogos Olímpicos. 
Eu pedi aos deuses que me livrassem do meu desejo. 
Disparei uma flecha certeira, atravessando o coração de duas pombas. 
Ela cozinhou as pombas e me serviu dizendo que era sopa de tartaruga. 
Quando por fim os dias derreteram a cera de nossas velas, 
ela colocou minha cabeça na bigorna, beijou-a 
e abriu-a em três pedaços com o machado. 
Meus olhos saltaram no chão e criaram raízes. 
Guardou um pedaço para uma vida de gozos, 
o outro para uma vida de fadigas e glória. 
O resto atirou aos abutres. 
Para livrar-se do cheiro, acelerou o Tempo 
até romper-se o eixo e não sobrar ninguém para contar a história. 
Quando outra vez sentou-se na minha frente 
para chocar um novo Universo, eu acordei. 
Assim já era demais.



(Maira Parula em Não feche seus olhos esta noite, ed. Rocco, 2006)