Minha avó nunca se entendeu com medidores de glicose.
Perdia a lancetadora entre os vãos do sofá.
A dentadura, na vodca on the rocks.
Põe aí um filme do Chato é o Resto.
Aquele que fez Moisés no Planeta dos Macacos.
Ou o contrário.
Minha avó. À distância de um ouvido.
Lia a manhã nos jornais velhos do pai que lhe morreu
jovem de peito arrebentado na calçada -- um poeta.
Cleptomaníaca verbal, rasgou um Eliot na biblioteca
dizendo Fiz este poeminha só pra você.
Ensinou-me a contar até dez em alemão.
A usar antolhos de circunstância, o uniforme da memória.
Minha avó e seu bife à milanesa com caroço de laranja.
Minha avó e a foto do seu primeiro bebê morto na carteira.
Minha avó.
Sempre igual a si mesma.
Como a lua boiando no mar.