3.8.12

Moça lendo em Itu



Duas vezes por mês Indalécio abre mão das rodas literárias noturnas e oferece sua casa da Rua Nove para glomérulas de operários chapeleiros, congressos da lavoura, associações de padeiros, confeitarias e anexos. Indalécio não tem um interesse particular por problemas sociais e de governação do país, mas simpatiza com quem não vota como carneiros ou cousas. O dever de todos é luctar. E luctar até o fim -- aprendeu com o tio-avô morto, um primo-irmão de Le Douanier, pintor que de bom grado morreu gangrenado de uma perna antes que se lhe perdessem as duas na primeira guerra. E Indalécio gosta de ouvir os mortos, pois mortos falam como gente de hoje. Herdeiro de uma fábrica de elásticos, Indalécio é poeta e cafeicultor, para ele duas atividades que eram uma a casca da outra. Questão pra gosto. Hoje a reunião era dos cafeicultores. Ordem do dia: o combate ao lucro pelo "praguismo" e o Convênio de Taubaté. Para quebrar o indiferentismo da classe, uma argamassa de solidariedade precária, ele servia do seu próprio café e do café dos concorrentes presentes. Polidez para uns, concessão de emergência para outros. Como todo poeta, Indalécio intitulou a assembleia A Noite das Xícaras. Serviu-as pessoalmente em três movimentos. O primeiro indo até a quarta xícara, o segundo, da quinta à décima, o terceiro finalizando o poema: uma bela travessa de castanhas assadas com manteiga fosfatada. O cafezista de  


Santa Cruz arengava de boca cheia, excitando contendas num andante bíblico. Ninguém dorme nem cochila. Estava hasteada a bandeira nacional em terras roxas do vinho do Islã. "Antes de ensurdecerem-me os ouvidos, de fecharem-me os olhos, antes que sequem as cachoeiras de Tapajós e que o nosso café vire coco, não podemos tolerar mais essas negociatas torvas que fermentam nas mentes ambiciosas de pouco bago, trazendo instabilidade e vergonha..." Indalécio pede um minuto para o toilette. O sr. Redinha concede e prossegue. Na sala do seu trono, sua sala de pensar, decorada com motivos piscatórios, Indalécio ora à Mater Castissima -- Purissima, que me importa se os jacus cagam café? E um cahué do mais saboroso. Questão pra gosto. Se a Terra gira trinta quilômetros por segundo. Se as senhoras não levam até o fim seus estudos de contraponto. Se as laranjas passam por um banho de asseio antes de irem à venda. Se Hortencia me mortifica com suas intimidades e remolhos com a marquesa. Se esta gente vem à minha casa salpicá-la de intrigalhas, como o manto de Napoleão o é de abelhas de ouro. Virgine Madre, figlia del tuo figlio, se o sangue do jacu virar café, mais rubro será o céu. Como sofre o homem vegetariano de intestinos curtos. Alma minha incognoscível/ Lunática, nostálgica, demente/ Evadida das grades do Impossível. Cumprido o seu ofício, Indalécio comunga, ergue as calças e volta aos debates. A moça não há de notar. Há muito tempo que a hóstia mais parece papel do que pão.