4.3.13

A escolhinha de arte



No posto de gasolina tiro o cartão de crédito. A carteira de identidade vem junto. Vejo minha foto e a sensação de que me olho morta. Fotografias de gente me dão esta impressão.  Não dramatizo. A gente morre e passa. Um caga-sebinho pousa em cima da bomba. Costumo ter pesadelos com soldados e bombas. As ruas sendo tomadas e eu procurando um abrigo. Não conheço ninguém. Não carrego armas. Pouco poder de barganha. Os sonhos são ações isoladas. A entrega do corpo. D pede que eu indique uma escolinha de arte para a filha. Eu ouço "escolhinha". O destino poderia ter sido outro. Preferi o boneco de ventríloquo. Agora o tanque está quase cheio. A maresia vem de longe pelas janelas e entra na faixa de ondas. Hay que lavarse con jabón esa lengüita y esa boca. Guardo a carteira metade suor, metade plástico. O frentista me devolve o cartão. Tem olhos de Peter Lorre. Uma mulher perde o ônibus por pouco. Seu tênis branco reflete o sol. Lorre e eu ficamos em silêncio contando os passos.  As cabeças dentro do ônibus. Eu não vou pelo mesmo caminho que ela. Eu vou só ali.