Ele entra no quarto.
Ele afrouxa a gravata.
Ele olha os móveis um por um.
Ajeita a fotografia presa no
espelho.
Contorna o rosto da mulher com
o indicador.
Adianta os ponteiros do relógio
carrilhão de mesa.
Puxa o lenço do bolso do paletó
na cadeira.
Dobra.
Vê os sapatos empoeirados no chão.
Pega os sapatos empoeirados do
chão.
Passa os dedos na poeira.
Devolve os sapatos empoeirados
ao chão.
Avança com a Torre.
Troca o durex que segura outra
fotografia.
Recorta uma notícia de jornal
com a tesoura.
Prende no espelho.
Escreve uma data com a caneta
marcadora na parede.
Anda pelo quarto.
Sussurra o nome de uma mulher.
Tira o perfume da caixa.
Coloca o perfume na caixa.
Empilha as caixas de remédios.
Faz uma torre até o alto da
data na parede.
A torre desmorona.
Recua o Bispo.
Consulta o saldo no canhoto do
talão de cheques.
Diz a quantia em voz alta.
Pega uma caneta-tinteiro e
escreve.
O cigarro queima no cinzeiro.
Os óculos escorregam pelo
nariz.
Para.
Pensa.
Escreve.
Risca o que escreveu.
Rabisca.
Desenha palavras.
Triângulos. Uma casa de
criança.
O telhado. Um lápis com cabeça
de Pinóquio.
Vai até o final da margem
direita.
Volta para a esquerda.
A pena arranha o papel.
A manga do casaco de lã
atrapalha
o movimento da mão direita.
Traga o cigarro sem tirar os
olhos da folha.
Pronuncia as palavras que
escreve.
Ao riscá-las fica calado.
Os lábios secos colam no filtro
do cigarro.
Escreve seis frases ininterruptas.
Morde a caneta.
Pensa.
Risca duas.
A fumaça ascende.
Olha a janela por cima dos óculos.
Volta ao papel.
Desenha estrelas de muitas
pontas.
Um barco à vela. A baía.
O barco saindo da baía.
Abre a gaveta.
Remexe cartas de baralho.
Procura mais no fundo.
Os dedos reconhecem a
empunhadura.
Seu rosto recua.
Esse movimento não estava no
roteiro.
O diretor não pede para repetir
a cena.
Ele aproxima a pistola do
rosto.
Os óculos firmes no nariz.
A pistola é o primeiro plano.
Ele não está mais ali.
Dura cinco segundos.
Um carro buzina na rua.
Ele vai até a janela.
Ele afasta a cortina.
O carro já passou.
Ele fecha a cortina.
Alguém bate à porta.
A mulher de branco o chama para
a ceia.
Ele apaga a luz.
Ele fecha a porta do quarto.
Não lembra o nome do filme.