25.2.15

Amo, sobretudo para o jantar




essas oreinhas comidas pela lua

essas saladeiras inglesas

essas carnosidades

essas células veteranas

nosso balanço no jardim

Maryer of the Maryest

pelas cinco chagas de Cristo





21.2.15

Vou matar toda mulher que você tiver




vou matar toda mulher que você tiver
não mato você porque o amor tem regras rígidas
dentre elas matar toda mulher que você tiver
não importa onde eu esteja
não importa com quem
não importa a que horas
eu vou matar toda mulher que você tiver
não importa se for homem
transgênero translato transespacial
não importa o nome
não importa o som
não importa a cor
se o vestido tem estampa tropical
se o haxixe veio do Nepal
e o vermute pela porta principal
não importa se for seda
não importa se for eu
não importa se for Webér
eu vou matar toda mulher que você tiver






11.2.15

Oração a Yoko Ono


Que bonitinho o Kobo na mesa de cabeceira quando acordo de manhã. A luz do abajur o atinge em cheio e saboreio sua forma e a de seus companheiros de noitada, minha pequena unidade de combate. Yoko Ono está dentro do Kobo. Do lado de fora dois ókulos, um relógio, pastilhas para garganta, alprazolam, lanterna led, um kanivete para defesa pessoal não sei kontra o que ou kontra quem, um deskongestionante nasal, o rádio de pilha azul sobre uma pilha baixa de livros. Maço e isqueiro. Sem falar na kaneta da loja de ferragens kom que escrevo agora. Yoko dentro do Kobo. É uma generosa mesa de kabeceira. São 8 horas e nem quero saber do sol nascente. Mas um dia nasce. Demos graças. O planeta está no mesmo lugar. Meu korpo no enkaixe certo. E Yoko dentro do Kobo. Vou dar-lhe um aloha kom uma peça que fiz ontem à noite antes de dormir. 


............... hein?

Tá no Gantois.

E............ hein?

Tá no Gantois.

............... hum?

Tá no Gantois.

................ ai?

Tá no Gantois.

................ oi?

Tá no Gantois.

................ hein?

Tá no Gantois.




5.2.15

O nervo de todas as coisas





Você está me roubando que eu sei. Vejo tudo da minha janela enquanto o velho fedorento não vem vejo tudo da minha janela. O peito lançado no parapeito vejo a olho nu.  Você me rouba descaradamente. A distância entre nós é imensa mas meus olhos são precisos. Se de onde estou eu vi o Empress of Ireland ser engolfado pela neblina e naufragar no Saint Lawrence, você deve imaginar que ver você me roubando é um microscópio. Sua carcaça parece estar dentro do meu olho. Você deve estar precisando muito para me roubar em plena luz do dia. Olhe este sol. Olhe as pessoas se dirigindo para a praia. Hoje temos ondas de mais de 2 metros e ninguém se arriscará neste mar, o que você deveria fazer também e parar de me roubar. Ainda não contei a ninguém de sua ladroagem, mantenho em segredo porque espero que você receba meus sinais telepáticos de que isso que está fazendo é ilegal e me ofende antes de tudo. Essa aí é a sua mãe lhe trazendo um cafezinho. Há muito tempo eu lhe observo e sei que essa aí é a sua mãe. Uma coitada. Ignora que você está me roubando enquanto sorve do seu cafezinho ralo. Da minha janela vejo o seu vizinho andando nu pelo apartamento. Ele não está me roubando. Vejo a vizinha de baixo escovando o cachorro. O cachorro não está me roubando. Aqui nesta rua não tem ninguém me roubando, só você. Claro que em algum lugar desta cidade há alguém me roubando, alguém roubando alguém. Mas o que me interessa é você. Sua xícara esvaziou e você olha para os lados. Procura alguma coisa. Eu sei o que procura. Não vai encontrar porque ainda a trago comigo. O nervo de todas as coisas. O que você não tem. Sua natureza não tem. Eu demorei a ter. Tive de esquecer o velho fedorento e vasculhar a minha alma com um forcado. Mas achei. Muito, não tudo. E esse velho. Você conhece o meu velho. O que anda de mictório em mictório como se fizesse a Via Sacra. Você procura em todas as gavetas e não acha. As gavetas são o centro do meu universo, mas não há nada de mim nas suas. Por isso você está me roubando. Não vejo sinais de que você está me captando. Parece que falo uma língua esquimó. Jesus Nazareno, Rei dos Judeus, o velho fedorento entrou no meu prédio. São seis andares até aqui e você ainda está me roubando. Cartago será destruída. Cada andar leva 20 segundos. Vou trancar as portas. Trancar tudo. Todas as letras do alfabeto. Reforçar as fronteiras. Enviar meus soldados para o início da linha. Desde Ptolomeu homens e animais só olham na direção do início da linha. Vou me trancar no armário e esperar a tormenta passar. O homem com o cajado. Vou me trancar com meu rolo de papel amarrado com barbante. Você não vai mais me roubar. Dentro do meu esconderijo bem fechado, meu país entre rios, farei inscrições em lápides. Você é covarde. Não irá me roubar até aqui. Quando dois escrevem a mesma coisa, não é a mesma coisa.




4.2.15

Nora






Sou Nora Ney. Eu canto. E posso me chocar com a Terra a qualquer momento.

Sou Nora. Mas pode me chamar de Iracema.

Sou uma replicante guarani-kaiowá. Isso pode ser sorte, ou azar.

Nora não tem passado. 

O presente está em órbita. 

Seu futuro, um modelo de simulação.

Nem todo mundo é artista. Mas todo mundo canta. Eu canto. Eu sou artista.

Ser artista é procurar um sinal de vida na atmosfera.

Para procurar, é preciso que os mundos transitem à frente das estrelas.

Uma dessas estrelas sou eu. 

Uma estrela em busca de um planeta. 

Carrego comigo o autógrafo da composição do ar.

A sua mão que se estende.

Calçadas da mesma rua.

Planetas falam muito, você não vai entender.

Minha missão é voltar e traduzir.

Fazer de conta que nunca saí.

De uma saudade que será o depois.

Sou Nora.

Um dia você vai me conhecer. 

Não tenha pressa.

Que o sol hoje não vem.

E a noite termina na noite.

Sou Nora. 

Não tenha medo.

Posso me chocar com a Terra.

Com você a qualquer momento.

Não diga não. Olha pra mim.

139,8 de elongação, - 60 de declinação.

Não me conte nos dedos.

Escolha uma canção.