Não sei se
você se lembra daquele dia em que saímos com bandini e maria. fomos ver raw
deal no cinema e jantamos no de gausse. uma noite única não só porque quase me
sufoquei de tanto rir com as duas, mas porque estávamos felizes outra vez
juntas eu e você depois do voo de seis horas que tive de enfrentar para
encontrá-la. não sei se lembra. já são mais de quinze anos. o tecido da memória
se esgarça. corrompe histórias vividas. embaralha. redistribui. nunca mais nos
vimos. não vi você – seu apartamento – sua cama – seu corpo vitoriano – sua
tela Je m'en fiche de tout – as chaminés dos terraços vizinhos – as
linguagens de superfície. você se preparava para viajar ao senegal a trabalho.
joguei a mochila no sofá e nos beijamos ao lado de peixes apáticos. elogiei sua
bicicleta nova. a capa do keats sobre a mesa. o sabor do campo viejo. os
sobretudos abotoados não poderiam durar muito. e mais uma vez não gozei com
você. deixei-a só. incorporal. talvez você ainda esteja no senegal enquanto
tomo esta xícara de café e vejo pela janela o vapor que se ergue dos pântanos
sob a ponte. talvez agora seus caminhos de fuga usem tintas mais ásperas.
trincheiras. barricadas. foi um tanto abrupta a despedida. uma música alta e
mulheres dançando no salão. os carabinieri nas ruas. eu meio intoxicada de um
jeito ou de outro. o seu olhar aion. pegou-me pela mão, cruzamos uma arcada,
entramos num pátio, tocou meu rosto e envolveu-o com um adeus. um adeus que
hoje pela manhã saiu por detrás dos arbustos e me trouxe seu nome na explosão
final de um êxtase. não sei se poderei lembrar mais do que isso.