11.12.17

Mná na h-Éireann




preparo minha mochila e vou fugir mato adentro. lá tem um lugar para mim. onde ninguém me verá. onde não verei nada além do azul e verde do charco que me cerca. mas o tempo me deu uma bagagem mais pesada do que uma mochila vinte-anos pode carregar e vejo meu corpo atracado com objetos. afundado nas duras trincheiras que cavei. na saída, elas impedem minhas pernas de correr. não sou mais eu. os objetos assumiram o poder. olho a casa de longe: uma garbage sale poderia livrar-me da carga que acumulei. tomem! levem! eya, blast everything to hell! eis aqui -- livro estante colheres copos pratos édipos planetas toalha toddy tv disco vitrola edredom melodias de ferro abajur bananas cinzeiro lápis cômoda cadeira cáries lampião cama pulsos abertos pão mesa bairro cartas de amor de isopor lanças barcos e dinossauros relógio controle remoto canivete pinguim bola de cristal. já não preciso de melhoral violão coçador de costas cotonete dicionário eletrônico psicanálise piano moldura ênfase, não preciso das batalhas de tabuleiro, da aventura das línguas, de poesias reunidas, cantos de maldoror, monólogos, observadores de escritório, do vento sul, do vento norte, da cabeça de heróis, das bênçãos de Morrígan curando minhas feridas, das Mná na h-Éireann, das linhas gerais de um conto, mitos gregos guetos e dias de paupéria. fico com a lanterna de mão um par de botas a roupa do corpo eu mesma a outra e alguns gramas dos anos loucos, da imagem de um rosto nos campos minados onde piso.