Há dentro de mim uma paisagem
entre meio-dia e duas horas da tarde.
Meu coração bate desamparado
onde minhas pernas se juntam.
Uma noite me dei conta de que possuía uma história
e de que era monótona com sua fieira de lábios, narizes,
modos de voz e gesto repetindo-se.
O que existe são coisas, não palavras.
Granito, lápide, crepe
nuvem, saudades, lembranças.
Em todo enterro choro com um olho só,
com o outro acho coisas no meu sonho:
os toquinhos de vela crepitam e morrem.
Quando eu sofria dos nervos
fiz curso de filosofia pra escovar o pensamento,
não valeu.
De dentro da geometria
Deus me olha e me causa terror.
As formigas passeiam na parede, sobre
a cômoda, num quarto
Elas querem me matar, me comer, me cagar.
Eu sei escrever.
Escrevo cartas, bilhetes, listas de compras
Assim escrevo: tarde. Não a palavra.
A coisa.
[Repoema que fiz a partir de versos isolados de várias poesias de Adélia Prado publicadas em seu Poesias reunidas.]