Numa casa de
pensão em Copacabana vultos jantam em volta da mesa na sala de luz baixa é uma
visão de segundos pela janela e jamais esquecida de tão criança. Não muito
distante o tempo dali outra visão de uma cozinha com três sombras ao lado da
mesma criança que agora tosse entalada com uma espinha de peixe não não precisa
hospital bate nas costas e ela cospe outro dia dentro de um carro com os pais à
noite cruzando a linha férrea onde parou no sinal seu triciclo vermelho e branco
correndo na calçada da praia ou aquele jipe verde de brinquedo que a levaram
até o barco entrar no mar e por ele ver as luzes batendo na água da noite escura
que Ipanema mais à frente já tinha palmeiras bares biquínis canções e um
Recreio dos Bandeirantes só mato areia e sol um plasma que só aparece na memória
quando tem areia o resto tudo lhe aconteceu e foi gravado à noite pelo centro
da cidade sem um nome definido pelas luzes dos prédios praças pelos ternos do
pai os cigarros do pai as gravatas de cores mortas no radioteatro das bonecas
sem cabeça com quem dormia numa poltrona-cama no quarto dos pais do pequeno
apartamento de sombras perto na praia o farol girando orientando navios de uma
ponta a outra do pequeno oceano da menina de mão queimada por leite fervente
bota na água fria não! passa manteiga não! passa pomada Alivia e tosse tosse a
garganta vai fechar opera! freiras éter arrancam da sua roupa as carnes
metálicas com mais um pico de opioides e o ar passa como passou Laura amiga alta
da irmã alta e a pequena lembra da canção do filme muito mais tarde num pé de
vento e seu coração amolece com Laura no banco ajoelhada em poeira cristalina e
gesso Credo in un dio che m'ha creato simile a sè na missa abafada de corpos em
perfumes dominicais ascendendo por andaimes aos anjos de pincéis no teto da
catedral ela canta no modo parlando inventa pecados do tamanho da hóstia
imaculada mastiga a farinha e não peca com a morte ofício divino mas escreve
com a mão esquerda na professora que diz é monstruoso e ela engole o lanche da
mãe da merendeira de couro aprendendo a escrever com a mão direita na escola
dos superiores e a sublinhar com lápis esse é o Lukács que achou na rua jogado
fora mas compra Lévi-Strauss e deita já mulher Oswald com Macbeth e todos os
outros depois destes até a terra sufocar sua Igreja da Sétima Gargalhada de
Cristo na esquina das últimas forças da menina que ainda lhe sussurra você se
esconde em mim.