24.12.13
Pasolini
Sexo, consolo da miséria!
Sexo, consolo da miséria!
A puta é a soberana, seu trono,
uma ruína, sua terra, um pedaço
gramado de merda, seu cetro,
uma bolsinha de verniz vermelha:
uivando pela noite, suja e feroz
como as mães do passado,
ela defende seus domínios e sua vida.
Os cafetões sempre por perto,
inchados e abatidos com seus bigodes
brindisinos ou eslavos, são
os chefes, os regentes: combinam
no escuro o preço de cem liras,
piscando em silêncio, trocando
palavras secretas: o mundo, excluído, cala-se
diante dos que o excluíram,
carcaças silenciosas de aves de rapina.
Mas do lixo do mundo, nasce
um novo mundo: nascem novas leis
onde não há mais lei, nasce uma nova
honra onde a honra está na desonra ...
Nascem o poder e a nobreza,
ferozes, no amontoado de casebres,
nos lugares sem fim onde achamos que
que a cidade termina, mas é onde
recomeça, inimiga, recomeça
milhares de vezes, com pontes
e labirintos, fundações e escavações,
atrás de uma tempestade de arranha-céus
cobrindo horizontes inteiros.
Na facilidade do amor
o miserável se sente homem:
constrói sua fé na vida
e despreza quem vive diferente.
Os filhos se lançam na aventura,
seguros de estar em um mundo
que os teme e ao seu sexo.
Sua piedade está em serem impiedosos,
sua força, na leveza,
sua esperança, em não haver esperança.
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("Sesso, consolazione della miseria!", trad. Maira Parula, dez. 2013.)