Ela não era melhor escritora do que eu mas eu achava que era e por
isso tinha de matá-la. Ela não era mais bonita do que eu mas todos achavam que
era e por isso eu tinha de matá-la. Ela era inédita. Eu também. Até aí
estávamos quites mas eu achava que tinha mais chances e não queria dividir meus
leitores com ninguém. Demorei muito para ter a coragem de chegar aqui e
confessar o que estou confessando que mais dia menos dia eu vou matá-la e
ninguém vai ficar sabendo porque ela não tem a mínima importância, vou matá-la
e atirar todos os seus originais num esgoto bem longe de casa porque não quero
aquela coisa perto de mim para todo mundo ficar dizendo que é literatura quando
na verdade não é, isso é que não é, parece mais uma lesma e suas palavras
grudam umas nas outras e entram pelos meus olhos e escorrem pelo meu cérebro só
pra me convencer de que não devo matá-la porque ela é uma escritora de futuro
promissor enquanto eu não tenho futuro algum, ou melhor, meu futuro é agora e
já que eu nem ligo pra isso ou aquilo que por acaso ela venha a escrever quando
eu não escrevo uma linha há meses e isso sim eu não posso suportar, ela é tão
profícua e eu tão prolixa que ninguém me entende e prefere os textos dela que
são melhores do que os meus mas eu não acho, eu sei que não são porque de
literatura eu entendo, eu estudei muito pra isso, eu perdi noites de sono, eu
fiquei sem comer só pra saber o que é isso que todos chamam de literatura, e
não vai ser ela que vai me atrapalhar agora, porque antes que ela pisque eu vou
matá-la, antes que ela sequer pense em escrever eu vou matá-la, antes que ela
assine o meu nome em suas páginas eu vou matá-la e dar por encerrada esta
história.
(in Não feche
seus olhos esta noite, Rio de Janeiro, ed. Rocco, 2006)