Ela tem vinte anos e é minha mãe.
Entra no
armazém, pede feijão, arroz, batatas, ovos e farinha.
Não é tempo de
gastar.
Sua aliança de
ouro arranhada a fina pulseira
de argolinhas
não faz ruído algum quando ela ergue
a mão para
ajeitar os cabelos lavados e revoltos.
Minha mãe tem
um leve cheiro de sabonete Phebo.
Hoje parece aflita.
Olha as unhas, consulta
o relógio.
Olha por cima
dos ombros, o beco
vigia a entrada
da loja, o pedestre na calçada,
como se temesse
estar sendo seguida.
Nervosa, está
mais linda do que ontem.
Não, está mais
linda do que nunca.
Lábios grossos um
batom discreto.
Olhos castanhos
sem maquiagem,
olhos de quem
se apaixona por suicidas.
Inclina-se para
escolher as batatas mais bonitas.
O seu António
espera ao seu lado, paciente, cansado,
o saco de papel
pardo na mão.
Escolhidas as
batatas, ela dá as costas e esfrega
as mãos uma na
outra para livrar-se da terra.
Eu tenho vinte
anos e trabalho neste armazém
muito antes de ela aprender a beijar
casar e vir morar nesta rua.
casar e vir morar nesta rua.
Uma casa de um
branco marmóreo
flores
selvagens ao pé da janela sempre fechada,
contou-me seu
António.
Ela recebe o
troco de minhas mãos trêmulas
e me retribui
com um sorriso triste.
Não nos
tocamos.
Não trocamos
uma palavra.
Amanhã ela
voltará aqui para comprar
algo que
esquece todo dia.
Todo dia é a
mesma coisa.
Um balcão nos
separa
e sei que nunca
seremos amigas.