Lírio Melcides é a antítese em pessoa. Sem família, esposa ou filhos, vive sozinho desde a mais tenra mancebia. No entanto, gosta de ficar entre seus pares, principalmente à noite, quando abalroa-se com escritores, artistas, professores acadêmicos, milongueiros, intelectuais e boêmios. Nessas ocasiões ele bebe vinho e fala. Apesar de não desposá-las, amou muitas mulheres. Único poeta vivo com busto no salão de jogos infantis do Esporte Clube Metropol, foi criado pela avó de parentes distantes. Orgulha-se de ter tido pais analfabetos, porque Saramago também tinha os seus. Sempre foi humilde embora altivo diante dos grandes mestres da literatura com quem se relacionou e aprendeu. Quando não gostava de um dos seus 123 manuscritos, rasgava-o sem piedade -- depois de publicá-lo. Publicou os 123. Candidatou-se 13 vezes à ABL e à vereança. Não auferiu os votos necessários. Em entrevista posterior à última tentativa, declarou que nunca mais concorreria à Académie, à vereança, a nada. Então tornou-se sócio do Instituto Michelin de Letras. Tem muitos amigos entre os maiores escritores e artistas. Conheceu de vista Neruda ao passar na frente da Chascona depois de uma dose dupla de ayahuasca. Após ler uns versos de Melcides do outro lado da mínima vidraça, o deus da poesia chilena lhe disse com linguagem labial: “No viví en mí mismo, tal vez viví la vida dos otros”, o que Lírio balbuciente traduziu em simultâneo para: Não desista, insista muito na poesia. Conheceu de passagem Saramago ao entrar em uma livraria de Belo Horizonte e ali mesmo firmaram grande amizade num autógrafo carinhoso mútuo, Amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito. Encontrou-se por acaso com Cortázar na Confitería London City, onde Julito fingiu não conhecê-lo por trás do cigarillo, o que Melcides interpretou como uma broma do gênio que certamente via algo diferente em Lírio de chapéu. Recusou-se a conhecer Borges e T. S. Gambá, porque eram de direita, mas depois que seu primo engenheiro naval disse que ele guardava alguma semelhança física com a fácies de Ezra Pound, ele decidiu ir à casa de Borges que o recebeu à porta com um "Buenas noches y vaya con Dios". Seu tio por parte de pai era amigo de comunistas e por volta dos anos 1960 lhe emprestava manuais de estratégia bélica. Isolou-se para estudar. Seu sonho era seguir os passos de Lamarca e ser chamado um dia de Comandante numa célula literária. O tio no entanto era de uma organização rival à de Lamarca e então Melcides consolou-se estudando teologia na clandestinidade com o sonho de um dia ser chamado de Cardeal. Isolou-se por 122 dias na Serra da Contamana. Com o esfacelamento da luta armada, foi ser corretor de seguros e jornalista sem abandonar a poesia jamás. Seguiu publicando sua copiosa obra. Frequentou os melhores restaurantes, bares e glosas, um curso de filosofia e centenas de mulheres famosas, todas bonitas, ricas e artistas plásticas para quem recitava seus poemas na falta de Xanax. Lamenta nunca ter se apaixonado por uma poeta. Lírio Melcides é detentor de 11 prêmios internacionais em sua carreira literária: 4 nos EUA (Alabama, Rhode Island, Dakota do Sul e Nebraska); 2 no Panamá; 2 na França (Côte d’Azur e Verdun) e 3 no Paraguai.
14.5.17
Buenas noches y vaya con Dios
Lírio Melcides é a antítese em pessoa. Sem família, esposa ou filhos, vive sozinho desde a mais tenra mancebia. No entanto, gosta de ficar entre seus pares, principalmente à noite, quando abalroa-se com escritores, artistas, professores acadêmicos, milongueiros, intelectuais e boêmios. Nessas ocasiões ele bebe vinho e fala. Apesar de não desposá-las, amou muitas mulheres. Único poeta vivo com busto no salão de jogos infantis do Esporte Clube Metropol, foi criado pela avó de parentes distantes. Orgulha-se de ter tido pais analfabetos, porque Saramago também tinha os seus. Sempre foi humilde embora altivo diante dos grandes mestres da literatura com quem se relacionou e aprendeu. Quando não gostava de um dos seus 123 manuscritos, rasgava-o sem piedade -- depois de publicá-lo. Publicou os 123. Candidatou-se 13 vezes à ABL e à vereança. Não auferiu os votos necessários. Em entrevista posterior à última tentativa, declarou que nunca mais concorreria à Académie, à vereança, a nada. Então tornou-se sócio do Instituto Michelin de Letras. Tem muitos amigos entre os maiores escritores e artistas. Conheceu de vista Neruda ao passar na frente da Chascona depois de uma dose dupla de ayahuasca. Após ler uns versos de Melcides do outro lado da mínima vidraça, o deus da poesia chilena lhe disse com linguagem labial: “No viví en mí mismo, tal vez viví la vida dos otros”, o que Lírio balbuciente traduziu em simultâneo para: Não desista, insista muito na poesia. Conheceu de passagem Saramago ao entrar em uma livraria de Belo Horizonte e ali mesmo firmaram grande amizade num autógrafo carinhoso mútuo, Amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito. Encontrou-se por acaso com Cortázar na Confitería London City, onde Julito fingiu não conhecê-lo por trás do cigarillo, o que Melcides interpretou como uma broma do gênio que certamente via algo diferente em Lírio de chapéu. Recusou-se a conhecer Borges e T. S. Gambá, porque eram de direita, mas depois que seu primo engenheiro naval disse que ele guardava alguma semelhança física com a fácies de Ezra Pound, ele decidiu ir à casa de Borges que o recebeu à porta com um "Buenas noches y vaya con Dios". Seu tio por parte de pai era amigo de comunistas e por volta dos anos 1960 lhe emprestava manuais de estratégia bélica. Isolou-se para estudar. Seu sonho era seguir os passos de Lamarca e ser chamado um dia de Comandante numa célula literária. O tio no entanto era de uma organização rival à de Lamarca e então Melcides consolou-se estudando teologia na clandestinidade com o sonho de um dia ser chamado de Cardeal. Isolou-se por 122 dias na Serra da Contamana. Com o esfacelamento da luta armada, foi ser corretor de seguros e jornalista sem abandonar a poesia jamás. Seguiu publicando sua copiosa obra. Frequentou os melhores restaurantes, bares e glosas, um curso de filosofia e centenas de mulheres famosas, todas bonitas, ricas e artistas plásticas para quem recitava seus poemas na falta de Xanax. Lamenta nunca ter se apaixonado por uma poeta. Lírio Melcides é detentor de 11 prêmios internacionais em sua carreira literária: 4 nos EUA (Alabama, Rhode Island, Dakota do Sul e Nebraska); 2 no Panamá; 2 na França (Côte d’Azur e Verdun) e 3 no Paraguai.