13.11.17

Houve um tempo em que








Houve um tempo em que eu misturava sexo com manga rosa e gozava só de acender. Houve um tempo em que eu me apaixonava bastava um gesto e a moto fazia 120 por hora. Houve um tempo em que eu lia Shakespeare, ouvia Kid Abelha com Black Sabbath e ninguém tinha nada com isso. Houve um tempo em que eu tinha medo das drogas porque me disseram que Hendrix e Joplin morreram disso. Houve um tempo em que eu tentei mudar a sociedade com uma metralhadora mas queria chegar em casa cedo. Houve um tempo em que eu percebi que podia trocar a arma pela palavra mas a luta já havia acabado. Houve um tempo em que eu colocava no piloto automático Guevara, Pessoa, Drummond, Baudelaire, Artaud, Glauber, Torquato, Oswald, Nietzsche, Foucault, Maiakovski, Kerouac, Lautréamont, Camus, Poe, Lawrence, Virginia Woolf, Borges, Ionesco, Bukowski, os amigos mais loucos e os cortes de cabelo mais estranhos. Houve um tempo em que eu só era fotografada com um copo na mão e o mundo girava na minha cabeça sem claustrofobia. Houve um tempo em que eu descobri que as mulheres num canto de boate são mais do que amigas. Houve um tempo em que eu trabalhava porque precisava, depois porque gostava, depois porque não sabia fazer outra coisa. Houve um tempo em que o pôr do sol começou a ser chamado de Arpoador e a partir daí tudo ficou normal. 




(in Não feche seus olhos esta noite, 2006, ed. Rocco, RJ)